segunda-feira, 12 de maio de 2014

Poema para o amanhã


Deixei de querer voar
Quando bati minhas curtas asas na pedra
Escorreguei no conforto do salário de carne
ou na pura e grossa bolsa de sangue
Vendi meus filhos ao acaso
e comprei um tobogã para escorregar
no lago dos problemas
Ontem eu vi gente comendo mato
E vi quem mata comer gente
Segurei pela última vez o viciado
que vendeu sua pureza
em troca do suspense
Deixei de querer parar o sangue
Fugi de ensaios medíocres 
e segui despreocupado
Não quero mais ter ilusão
Estou agora no sofá escrevendo um poema
enquanto uma borboleta busca o pouso
Ela procura à mesma coisa que procuro
aquilo que ainda não sei escrever
porque o momento é sublime
o seu pouso é delicado
ela pousa no pólen do poema
descansa agora sobre a folha
me pergunta sobre minha descrença
Digo-lhe que não quero mais voar com ela:
porque minhas asas ficaram pequenas
prefiro admirar o seu voo
não irei mais voar contigo
estarei amanhã distante
e não quero você comigo
No resto deste triste poema
A borboleta se foi
e o amanhã também

Ernane de Sousa

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