Se não estivesse lá todos os dias, como poderia ter certeza de que sempre o mesmo homem conduzia aquela imensidão engenhosamente construída, aquele gigante de ferro cujo peso e velocidade ignoravam tudo e todos?
Aos poucos, a máquina se aproximava e quase perdia a
monstruosa imponência, mas continuava seu inevitável percurso. O barulho
crescendo num contínuo desesperador. O chão ao redor vibrando o atrito
incansável de ferros que se chocam. Um gigante deslizando pelos sulcos cravados
no concreto.
Diante de todo aquele aço subjugado, o homem persiste,
desesperadamente parado.
O condutor, já acostumado às adversidades que sua profissão
lhe impunha, percebeu em seu observador um desejo. Tarde demais. O vento já
alcançava seus cabelos.
Das inúmeras pessoas que o rodeiam na plataforma, esse
anônimo já gravou algumas feições. Rostos comuns numa multidão de
desconhecidos. Sentiu-se ainda mais só. Sentiu ainda mais a necessidade do fim.
E permaneceu, inabalado.
Já pode distinguir as marcas exageradas no rosto do
condutor. Quarenta e sete anos, sempre julgou. O mesmo bigode, o mesmo uniforme
azul celeste surgia do fundo negro de um túnel sem fim.
A distância diminui ao ritmo de seu coração. O peito arfa
amedrontado. Lança ao seu redor um olhar de súplica. Alguém o compreenderia e o
seguraria no último instante?
A máquina não espera. As toneladas que lhe constituem
aproximam-se incansavelmente. Algumas pessoas distanciam-se numa atitude de
segurança, de verdadeiro pavor. Não querem ser testemunhas de algo tão trágico.
O trem, sujo como tantas vezes o vira, rasga os trilhos à
sua frente. Acovardado, vacila o passo e acompanha, com os olhos, o brilho
metálico que, como em tantos outros dias, lhe pareceu tão belo e eficaz.
Julian Guilherme
Julian Guilherme F. Guimarães, 32 anos, é graduado em
Letras. Integrou a oficina de
criação literária de João Silvério Trevisan, no primeiro semestre de 2018.
Publicou textos ficcionais e críticos em revistas virtuais e realizou as
seguintes adaptações: A bela e a fera no jardim do castelo – baseado na
história infantil “A bela e a fera”, de Madame Leprince de Beaumont, Editora
Scipione, 2010; e O gato de botas e o mistério da floresta – baseado na
história infantil “O gato de botas”, de Charles Perrault, Editora Scipione,
2010.
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