quarta-feira, 8 de maio de 2024

Antes que rompa o dia e fujam as sombras


todas as noites
com o advento das respostas que se descobrem em atraso
           o sopro quente do tempo
           me esquenta a nuca

junto com os feitos que não deviam ter sido
e os maus presságios
que não passaram
de covardia mitificada

todas as noites
a língua do tempo
me lambe o lóbulo da orelha

          a direita
quando me deito para a janela
temendo as luzes rápidas no teto

          a esquerda
quando me deito para o espelho
e não temo senão a mim

todas as noites
as mãos do tempo
correm nos meus peitos

estão secos e caídos para o lado
como um banquete deixado a apodrecer
          pela falta da fome nas bocas

todas as noites o tempo enfia em minha boca a sua língua
          antes que eu consiga recusar

balança a língua
atrás dos meus dentes
onde moram os choros engolidos
e as palavras perigosas

e no fundo da minha garganta
          sente o ácido
          do meu medo de morrer
          misturado à amargura de estar viva
o tempo se esfrega
nas partes minhas
que são só minhas para esfregar
          todas as noites
e a mim mantém desperta
para que não me esqueça
que todas as noites são noites a menos

           todas as manhãs encontro em mim os restos do tempo


Milena Martins Moura

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