sexta-feira, 31 de maio de 2024

Entrevista: Mauro Ferreira — o crítico, a música e as palavras


por Lucas Viriato e Marcella Mahara
 

Mauro Ferreira é um jornalista e crítico musical brasileiro. É impossível pensar a música nacional nas últimas décadas sem esbarrar com alguma de suas críticas. De 2006 até 2016, manteve o blog Notas Musicais, e atualmente coordena seu próprio Blog no G1 com postagens diárias, sendo um dos mais lidos da plataforma. Também é um colaborador antigo do Jornal Plástico Bolha, no qual já teve uma coluna fixa. Jornalista de longa data, Mauro sabe o peso de cada palavra. Para nós, é uma alegria saber um pouco mais sobre a sua relação com a leitura e a música. 


1) Apesar de ser um especialista na Música, você é também um grande leitor. Como a leitura e a Literatura entraram em sua vida e como você se relaciona com elas hoje?  

Sou um jornalista reconhecido mais pela excelência do meu texto do que pela avaliação musical em si. E, se escrevo bem, é porque leio bem. A boa escrita é consequência de boa leitura. Leio desde que me entendo por gente. Primeiro, foram revistas especializadas em coberturas de TV - como Amiga e Contigo, blockbusters nos anos 1970 - e, a partir da adolescência, livros. Lembro especialmente de O encontro marcado, de Fernando Sabino. E de Maurice, de E.M. Foster. Mas também passei pela literatura brasileira mais tradicional, tipo O cortiço, de Aluísio Azevedo. Tenho grande prazer em ler. Adoro me deixar levar pelo universo de um livro. E, sem minimizar a importância do livro físico e o prazer de manusear as páginas de um livro, consumo também e-books. O essencial é o impacto de um livro na alma. Não importa se ele foi lido em meio digital ou mídia física.


2) Dom, inspiração, trabalho, achado: nasce-se artista ou torna-se artista?   

Existe o dom natural para a profissão de artista, o talento nato, casos de atores que já nascem brilhando ou de cantores que parecem já surgir prontos. Mas isso não impede que alguém sem esse dom nato se aperfeiçoe no ofício a partir da labuta diária, do aprimoramento e do estudo. Pode-se chegar lá pelo trabalho e pela dedicação apaixonada ao trabalho. 


3) Sendo um profissional da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você consegue ser um “leitor amador”? Há um botão de liga/desliga no olhar do crítico?   

Se for livro de música, é mais difícil acionar o botão. Mas, em outros casos, posso sim ser um leitor amador. De todo modo, eu instintivamente observo a escrita, a qualidade do texto, seja lendo um livro ou vendo uma série ou novela. É a fluência de um texto ou de um roteiro que me captura para um livro ou para um produto audiovisual. Nisso, a música é diferente. Se a letra for boba, mas a melodia for aliciante, ou o ritmo for sedutor, eu me deixo levar pela música e arrisco dizer que a maioria das pessoas é assim.


4) Em todo verdadeiro artista, a arte e a vida são uma coisa só. O que você acha dessa afirmação? Há separação?
   
Concordo. A arte é a expressão da vida de um artista. Não tem como dividir a alma e a criação artística em compartimentos diferentes. A arte é resultado da vivência e da formação do artista, do meio em que ele foi criado,


5) Quais livros foram fundamentais para a sua formação? O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual?   

Lembro como fundamental a leitura dos fascículos de uma enciclopédia de música brasileira lançada nas bancas pela Editora Abril nos anos 1970. Cada fascículo era dedicado a um grande compositor da MPB. Foi dali que parti para a busca de mais conhecimento sobre a história da música brasileira. Lembro de ter livros do historiador Jairo Severiano, também fundamentais. Estou lendo no momento uma das mais conceituadas biografias de Madonna, Uma vida rebelde, recém-lançada no Brasil. É um livro com mais de 800 páginas de letras miúdas. Estou perto da 100ª página, mas já posso afirmar que o livro é fantástico por detalhar todo o percurso de Madonna da infância aos dias atuais, sem sensacionalismo.


6) A Literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua escrita criativa?   

A literatura abre a porta da percepção e do conhecimento, descortina admiráveis mundos novos. Mas, quando escrevo, me guio somente pela intuição e com o objetivo de ser sempre claro, objetivo, já que meus textos são quase todos de natureza jornalística.


7) Dizem que, dos gêneros de escrita, a poesia é aquele em que todos já se aventuraram algum dia, em geral na juventude. Você já “cometeu” algum poema que guardou na gaveta, ou até se desfez? 

Não. Nunca fiz poesia nem tive vontade de. Não é meu caminho, não é minha vocação. Meu dom é para o texto em prosa. Mas gosto de ler poesia.


8) Há canções que são poemas e poemas que são canções. Mas há diferenças de nuances. Você acredita que a canção musical é um gênero de escrita, ou, quando essa necessita do acompanhamento musical, é possível dizer que se torna um “gênero híbrido”?   

Há letras de música que são pura poesia. Mas não significa que essas letras sejam poemas em si. As letras servem às músicas, às métricas das melodias. Tanto que, quando um compositor põe música em algum poema pré-existente, por vezes ele precisa adaptar ou até mesmo suprimir um ou mais versos.


9) A partir da sua experiência de vida como crítico musical, o que você considera mais importante na escrita de um texto crítico? Como formar bons críticos, seja de Música, Literatura ou qualquer campo artístico?  
 
O texto de um crítico deve ser escrito com clareza, expressar com honestidade uma opinião que será entendida por quem conhece o artista dono da obra e também por quem ainda desconhece. A crítica é um texto opinativo, mas nem por isso deve deixar de conter informações que ajudem a contextualizar a obra criticada — no meu caso, discos, shows e/ou livros de música.

Forma-se um crítico com uma base boa de conhecimento histórico sobre o assunto criticado. E com honestidade, matéria-prima essencial de toda crítica.


10) Em alguns momentos do passado você já havia se aventurado no mundo dos livros, com um livro sobre a novelista Janete Clair e duas edições mais recentes do livro “Cantadas”, onde você analisa a potência da voz feminina ao longo da sua trajetória profissional. Como se sente nessa incursão no mundo da publicação em livros? 

Não me considero um escritor. Nunca pretendi ter uma carreira literária. O livro de Janete Clair foi escrito como um acerto de contas com minha memória afetiva, já que as novelas são tão ou até mais importantes do que a música na minha formação. Os dois 'Cantadas' foram livros comemorativos de 25 anos e 35 anos de ofício no jornalismo musical, sendo que o segundo foi ideia da editora da Garota FM Books, Chris Fuscaldo.


11) Também na dramaturgia você andou se aventurando: o roteiro de um musical sobre a obra de Djavan e um projeto ainda inédito para o roteiro de uma série. Poderia contar um pouco mais sobre os projetos? 

O musical sobre Djavan era um convite de 2018 que ganhou forma — leia-se patrocínio — em 2023. Gostei de fazer, mas não é o meu foco no momento. Quero, sim, tentar uma carreira como escritor de ficção no mercado audiovisual. Sem pressa e sem pressão. Termino em breve a escrita de uma série em seis episódios para tentar a sorte no mercado. Mas de forma light, consciente de que pode acontecer tudo, inclusive nada. Por ora, não posso dar detalhes do tema da série.


12) Quais compositores vivos e atuais você acredita que os leitores devem prestar especial atenção pela riqueza da composição poética e uso da palavra?  

Tim Bernardes se destaca na seara autoral. Zeca Veloso está tendo um início promissor. Também gostei muito do primeiro álbum de Jota Pê. E, como intérprete, Zé Ibarra é o que há.


13)  Como é sua relação com o mundo digital?

Minha relação com o mundo digital é boa. Acho que a tecnologia facilita a vida. No que diz respeito às redes sociais, acho fundamental para um profissional estar nelas.  Mas é preciso estar atento para que o prazer de estar numa rede não vire dependência ou gere ansiedade. 


14) Quais as qualidades de um bom leitor?

Concentração, sobretudo. É preciso se concentrar na leitura, para extrair o máximo dela. Em bom português, evitar a dispersão, ser atraído pela tela do celular, por exemplo, ou por qualquer outro estímulo externo. 



Esta entrevista foi realizada como um desdobramento das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato.

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