sábado, 22 de junho de 2024
Fogo
a lua
e o templo
todo
se perpetua
no tempo
flutuante
em que flutua
a mente
arfa
ardentemente
Rodrigo de Souza Leão
sexta-feira, 21 de junho de 2024
Entrevista: Lu Menezes — paixões, leituras e escritas
Entrou via Literatura infantil e contos de fadas, ao lado de revistinhas e o que estivesse ao alcance desta primeira e infindável paixão: "leitura" em geral. Soube que aos seis anos, família reunida em torno da grande mesa na varanda do sítio de uma tia, chega o caseiro com um bilhete para ela; levanto e sussurro em seu ouvido "Me deixe ler este bilhete, por favor!". Hoje, suplico ao Tempo que me deixe tempo para ler. Quanto ao que já escrevi, não ter rede social além do WhatsApp talvez contribua para eu ser, acho, bem pouco lida. Em compensação, algumas poucas pessoas me leem muito bem! Minha poesia em 2022 reunida pelo Círculo de Poemas e publicada pela Fósforo em Labor de sondar, vem reforçando isso.
2) Dom, inspiração, trabalho, achado: nasce-se artista ou torna-se artista?
Não sei, talvez varie. Ironicamente, o grande Rimbaud, caso clássico de poeta nascido "pronto", deu as costas a ser "poeta" — título tão honorífico no meio cultural quanto irrelevante fora dele.
3) Sendo uma filósofa e uma artista da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você consegue ser uma “leitora amadora”? Há um botão de liga/desliga?
Botão de liga-desliga não tenho nem na livre-escolha nem no ter-que-ler. Estando quase sempre sujeitos à inconstância do inconsciente, podemos — sem prever — nos decepcionar, entediar ou encantar.
4) Em todo verdadeiro artista, a arte e a vida são uma coisa só. O que você acha dessa afirmação? Há separação?
Artistas não são "verdadeiros" ou "falsos....Talvez, verdadeiramente bons ou ruins; depende do que você, eu, gregos e troianos achem. E, na relação arte-vida, a separação ou fusão de ambas deriva da arte e da vida de cada um. Absoluta relatividade certamente aí reina.
5) O que você considera ter sido fundamental para a sua formação? O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual?
Fundamentais: a leitura aos 13 anos de Minha vida de menina, de Helena Morley — pela simplicidade e precisão; e, mais tarde um pouco, Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll — pelo uso da linguagem também enquanto superfície, valor da camada significante. Atualmente, releio a poesia de Borges, tão incomparavelmente entranhada no que a história humana possui de mais atemporal! Magnífico antídoto para a terrível turbulência atual no Oriente Médio. E, a propósito, em chave "jornalística", os sempre excelentes artigos dominicais de Dorrit Harazim e Bernardo Mello Franco no Globo.
6) A Literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, em outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua escrita criativa?
A boa literatura não é "escape" no sentido de alienação da realidade: saímos do círculo do real imediato rumo ao encontro, via imaginação & linguagem, de outras possíveis faces suas reveladas. Quanto a isso, prefiro não tentar avaliar minha própria escrita; é tarefa pertinente à crítica literária.
7) Todos já fizeram poemas algum dia, em geral na juventude. Você escreve poesia há bastante tempo. O que te faz permanecer poeta?
Não sei se permaneço "poeta"... porque nunca ambicionei "ser poeta" — mas fazer bons poemas, com o mesmo direito ao prazer de criar que qualquer outro artista tem, mesmo sendo "poesia" uma arte "não-rentável".
8) Você nasceu no Maranhão e veio para o Rio de Janeiro ainda jovem. Poderia nos contar um pouco sobre as lembranças que guarda da infância e do seu estado natal?
As raízes são maranhenses, mas vim criancinha para o Rio. Não tenho, por isso, lembranças narráveis de São Luís, e esta entrevista não poderia ser sobre "minha infância no Leblon de outrora". Contudo, já que o seu motor foi o fato de eu "escrever", conto que meu bisavô paterno, Jefferson Nunes, "coronel todo poderoso e chefe político", como o descreve Sebastião Nery em seu Folclore político — que nele inclui três deliciosas historietas dele, era bastante espirituoso nos embates com adversários. E meu avô materno, além de juiz de direito, hábil sonetista. Algum lastro verbal "de raiz", portanto.
9) Você diria que essas lembranças e a experiência de deslocamento do Maranhão para o Rio, levando em consideração a passagem por Brasília, repercutem de alguma forma em sua obra?
Brasília foi muitíssimo mais que uma "passagem" em minha vida. Dos 13 aos 23 anos, foi um lugar maravilhosamente singular onde tive uma adolescência singularmente boa. Na UnB, depois de ingressar em Letras, acabei graduando-me em Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia. De algum modo, infância carioca e adolescência brasiliense induziram-me a escrever tendendo a equilibrar "figuração" — à sombra do Rio — e "abstração" — à luz de Brasília.
10) A atividade de pesquisadora repercute no seu trabalho como poeta? E vice-versa?
"Pesquisa" é algo com amplíssimo espectro...Estudar já é pesquisar, e a pesquisa que mais me envolveu até hoje foi meu percurso estudantil (culminando em doutorado na UERJ).Ser estudante foi o que mais adorei ser na vida, além de mãe. E, sim: claro que estudar repercutiu na escrita; tudo pode repercutir na poesia que faço.
11) Quais as qualidades de um bom leitor?
Gostar de ler e ler com atenção são certamente indispensáveis a um "bom leitor" ideal. Também às vezes "discutir" com o que é lido. Por exemplo, com Borges quando diz no belíssimo "Elogio da sombra" que "La vejez (...)/ puede ser el tiempo de nuestra dicha./ El animal ha muerto o casi ha muerto./ Quedan el hombre y su alma."
Esta entrevista foi realizada como um desdobramento das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato.
quinta-feira, 20 de junho de 2024
Menino chorou
chora menino
menino chorou
chora menino
o maculalê
o rabo de arraia
a ginga do corpo
Tomara que caia
Na gandaia
Tomara que caia
Na gandaia
são seres humanos
vivendo a madorna
Em busca de proteção
ahaha ôô
Kelton Favela Chique
quarta-feira, 19 de junho de 2024
Uma Écfrase de Thais Vicente
![]() |
Composição Surrealista, 1929 Ismael Nery |
E tripas e coração.
Jogados e amontoados no chão.
Um verdadeiro desmonte.
Uma imagem realmente impactante.
Cuidado, meu caro!
Observando a composição surrealista,
se não tiver estômago,
Você pode sofrer um grande desconcerto.
Mas, se não for o caso,
Sugiro que aproveite sem medo!
Thais Vicente
terça-feira, 18 de junho de 2024
έρημος, de Milena Martins Moura
acabei de ser minha própria caravana de bichos pálidos passando sede
acabei de ser a sede
o sino da igreja às três da tarde quando é quente
e uma brisa pouca e velha
arrasta o cheiro dos soluços
e entalha feições ao pé da boca
para marcar as horas
acabei de meter os pés no deserto tardio
que se deita ao sol
onde vêm os pássaros procurar em vão o de beber
porque têm pés feitos para o fogo
e eu que lhes sou grande e tenho mãos com poder de morte
acabei de ser minha própria caravana de bichos pálidos passando sede
com bocas abertas para o céu
minha própria matilha de bustos de areia
se debatendo pelo formato dos olhos
pelo nariz de ossatura protuberante
os lábios o de baixo maior herdado do pai
rosto desenhado com ângulos
orelhas desiguais
tudo isso que é meu e precisa ser mantido longe da chuva
para que não se desfaça
e de mim sobre apenas um deserto
que não sabe que tem sede
Milena Martins Moura
segunda-feira, 17 de junho de 2024
Ódio II
Tédio de tudo
de ti, de mim,
da escassez do
barro
das lâmpadas
de led
da poeira
e do asfalto
dos rádios
ligados em
horário político
obrigatório
da Hora do Brasil
do Repórter Esso
do gesso que nos
une, dos
óculos, da
miopia
da noite
insone
dos bêbados
deitados
da insensatez
dos corpos
na manhã
que surge
por entre
as frestas
da morte
da dor
enorme
(“tédio com
T bem grande
pra você”)
dos editores
capitalistas
(que raiva
dos poetas
perfi-
lados
mendigando
publicidade)
das sombras
das futuras
gerações
da escada
do silêncio
e outras
tantas
ausências.
Milton Rezende
domingo, 16 de junho de 2024
pezinho pornográfico
esse pezinho pornográfico
exala o cheiro chulo
de tanto pisar em rugosos bagos
esse pezinho pornográfico
espesso de baixo calão
de tanto lamber sola de um pau
esse pezinho pornográfico
firma um calcanhar grosseiro
a arrombar em pegadas o cu
esse pezinho pornográfico
de dedadas tão obscenas
faz o meia nove virar 3/4
esse pezinho pornográfico
de calço tão indecoroso
faz fundura até com uma sapata
esse pezinho pornográfico
de formato tão vulgar
só adentra buracos incomuns
esse pezinho pornográfico
de salto alto calça baixaria
não mede o quanto de grossura engole
Vinni Corrêa
sábado, 15 de junho de 2024
Um corvo no canavial
sexta-feira, 14 de junho de 2024
Uma Écfrase de Victor Augusto
O que dizer do que me dizes?
Te conheci por Glauber Rocha
Por Marília, Lucas, também Ives.
Ouço a poesia que inspiras,
Vejo o Brasil que tu pintaste.
No teu enterro, diz sua família,
Teu amigo foi um traste.
Mas me causou agitação
Ver sua obra ser narrada,
Me causou inquietação
Ouvir tais versos de tua estrada
Das mulheres de Paris
Da tequila mexicana,
Sabendo que a mais bonita
Mais parece uma baiana.
Sou teu amigo de Brasil
E malandro não me engana.
Soube dos atos de vandalismo?
Os vândalos pegaram cana
Depois do antipatriotismo,
Depois de rasgarem o teu quadro.
Hoje, são eles, caro Di,
Que veem o sol nascer quadrado.
Há na presidência um brasileiro
Parece saído de suas pinturas.
Acredite, Di Cavalcanti,
Houve amor, mas muita luta,
O povo não entendeu
O valor dos tons pintados,
Talvez não soube apreciar
O valor do teu legado.
Mas respiro o aroma colorido
Da arte tua, dos teus amigos,
Agradeço por apreciar
E ter na memória eles comigo,
Ser fruto da tua semente
É nascer na atualidade.
Os infelizes, reacionários
Cairão antes cedo
Do que tarde.
Victor Augusto
quinta-feira, 13 de junho de 2024
Comentário sobre uma écfrase da obra "O impossível", de Maria Martins
Paula Reis Vianna
quarta-feira, 12 de junho de 2024
Écfrase da obra O impossível, de Maria Martins
primeiro é pelo barro, terracota,
Paula Reis Vianna
terça-feira, 11 de junho de 2024
Tintório ou Tintorial
Olhos arqueados,
Olhos zangados,
Como se estivessem em chamas,
As negras pupilas.
Seu olhar contrariado
Parece fazer um breve relato
De um momento descontente.
Nos finos traços em óleo sobre a tela,
A expressão de um sentimento Tintorial
é transmitida como um sentimento próprio,
de fato.
Aparentemente,
além do poeta,
o pintor também é um fingidor,
descarado e indecente,
capaz de fingir que é dor,
a dor que deveras sente.
É, essa dor, um sentimento
Tintório ou tintorial?
Thais Vicente
segunda-feira, 10 de junho de 2024
Um texto de Eduardo Moraes
E a harmonia mais gostosa dos números é a combinação deles com o tempo. Adoro brincar com o relógio e sua mania infatigável de contar as horas, os minutos e os segundos.
90 segundos, já chegarei neles.
Pelo menos 120 segundos passaram da bilheteria à plataforma.
Foi quando vi um rosto conhecido. Sabia de onde, mas nunca tinha trocado duas palavras. Talvez tivesse em alguma rede social, mas nossa relação era nula. Morena, queimada de sol na pele e no cabelo, típica carioca, não tinha como negar. Eu sabia que ela namorava. Fui chegando um pouco mais perto. Proposital? Não digo (e nem sei dizer). Tiro meu casaco num movimento estabanado, retomo a compostura e o coloco na mochila.
Ela me viu.
Precisávamos de um pouco de Karatê Kid.
Ela me olha fixamente enquanto eu não a encaro. Eu encaro, ela vira o olhar e com os lábios em movimento, molhando suas superfícies, mira um ponto fixo e dá dois passos destemidos à frente, que imaginei ser apenas um charme.
Charme? Aos 90 minutos (segundos) de jogo? Aí era demais.
Era o metrô.
Sabia!
Eduardo Moraes
domingo, 9 de junho de 2024
a festa de Léo
a cidade
(dividida metade)
o dinheiro
(ou a falta dele)
as drogas
(e o uso delas)
a família
(na força dela)
a festa
(fartura sem falta)
a vida
(como der e vier)
Lucas Viriato
sábado, 8 de junho de 2024
Dialogue, poema de Patrícia Lavelle
J'ai ressenti ton regard durcir
entre mes
mots :
intumescence immédiate
dans cette fente
obscure
entre le corps et le discours.
Patrícia Lavelle
sexta-feira, 7 de junho de 2024
Entrevista: Marcela Sperandio — a multiartista e as pontes construídas
por Lucas Viriato e Marcella Mahara
Esta entrevista foi realizada como um desdobramento das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato.
quinta-feira, 6 de junho de 2024
Bebedeira, de Jovino Machado
é o intervalo
entre a ressaca
e a próxima bebedeira
Jovino Machado
quarta-feira, 5 de junho de 2024
um poema para Oxum
omiro wanran wanran wanran omi ro
água ensolarada, yèyè sawo
bem vinda água do bosque Osogbo
joia do fundo
da barriga dos seus filhos
canto pra que se espalhem os caminhos pro teu rio
onde a água é contralto e nossas guelras funcionam
com fôlego de namorados
Juliana Bernardo
terça-feira, 4 de junho de 2024
segunda-feira, 3 de junho de 2024
domingo, 2 de junho de 2024
TWO-LANE BLACKTOP
Aprenderei a amar as casas
quando entender que as casas
são feitas de gente
que foi feita por gente
e que contém em si a possibilidade
de fazer gente.
Matilde Campilho
sábado, 1 de junho de 2024
Pergunta
as perguntas
não estão
nas hóstias
as respostas
não estão
na bula
simplesmente
não há
respostas
nenhum
deus
que se engula
Rodrigo de Souza Leão