quarta-feira, 12 de junho de 2024

Écfrase da obra O impossível, de Maria Martins


 












primeiro é pelo barro, terracota,

e depois o mármore.

depois se afeiçoa à cera perdida,

que é o “infinito porque não tem limites”.


com a cera molda-se mais livremente

mas uma vez que é revestida com o gesso

e o gesso, tornado negativo,

preenchido de bronze, é levado ao forno,

o calor do forno desfaz tudo:

cera, gesso e molde.

recriar O impossível por volta de três vezes

— todas elas diferentes;
todas elas parecidas—

custou cerca de dois anos.

tal tempo parece um disparate

(ou mesmo impossível)

para alguém que está moldando algo como aquilo.

na escultura, duas figuras estão sentadas cara

a cara, e de suas cabeças

saem dentes, afiadas garras

e se olharmos assim, parecem

pentes de cabelo

se os pentes dessem-nos

um pouco de medo.

O impossível se estica

e possivelmente alcança

a representação do desejo de desejar.

o observador é impelido a notar a selvageria,

monstruosidade e invasão

alongadas numa textura

lisa e erótica,

límpida e antropofágica.

as figuras estão como dois amantes

prestes a se beijar

se beijar fosse um ato afiado, corrosivo,

que deixasse lascas

e tirasse nacos.

um ato reservado

unicamente ao nosso aparelho dental.

um ato

que acontece no gerúndio.

o desejo, portanto, está aí:

corrosivo e dental, salivando.

sem conter nada, mas sempre querendo

morder.



Paula Reis Vianna

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