segunda-feira, 10 de junho de 2024

Um texto de Eduardo Moraes


Sempre gostei de Matemática. Matemágica – diriam os mais gaiatos. Os números e as infinidades que giram em torno deles sempre me fascinaram. As contas de cabeça foram diminuindo ao ver que eu tendia para as Humanas, mas faço uso da máquina de calcular sem vergonha ou pudor, brinco com os números incansavelmente.

Viramos amigos.

E a harmonia mais gostosa dos números é a combinação deles com o tempo. Adoro brincar com o relógio e sua mania infatigável de contar as horas, os minutos e os segundos.

180 segundos. Tempo médio entre as estações da Linha 1 do metrô carioca. Fiz essa conta nas minhas incontáveis viagens de Copacabana à agitada Central do Brasil. A espera pelos vagões inacabáveis que nos levarão de lugar algum para lugar nenhum? Demorados 240 segundos. Sim, demorados, para quem está com pressa e atrasado todos os dias.

90 segundos, já chegarei neles.

Comprando a passagem na estação Siqueira Campos, ouço um dos trens partindo. Era o meu, pegaria o próximo nos longos 240 segundos subsequentes. Fui descendo devagar, deixando o tempo correr, desci um degrau de cada vez.

Pelo menos 120 segundos passaram da bilheteria à plataforma.

Foi quando vi um rosto conhecido. Sabia de onde, mas nunca tinha trocado duas palavras. Talvez tivesse em alguma rede social, mas nossa relação era nula. Morena, queimada de sol na pele e no cabelo, típica carioca, não tinha como negar. Eu sabia que ela namorava. Fui chegando um pouco mais perto. Proposital? Não digo (e nem sei dizer). Tiro meu casaco num movimento estabanado, retomo a compostura e o coloco na mochila.

Ela me viu.

Olho sob angulação discreta, mas consigo perceber suas pupilas dilatando. Fico bobo, arrumo a camisa social azul marinho, pomposo. Miro a moça passando os olhos para a esquerda, ainda modesto e a vejo usando a estratégia do meu primeiro olhar, ao mesmo tempo em que ajeita a postura. Eu me permito voltar o olhar à direita, agora mais vagarosamente, ela arruma o cabelo, num movimento tão brusco quanto o meu ao retirar o casaco.

Precisávamos de um pouco de Karatê Kid.

Ela me olha fixamente enquanto eu não a encaro. Eu encaro, ela vira o olhar e com os lábios em movimento, molhando suas superfícies, mira um ponto fixo e dá dois passos destemidos à frente, que imaginei ser apenas um charme.

Charme? Aos 90 minutos (segundos) de jogo? Aí era demais.

Eu estava em transe. Ela não fez mais nada. Voltei a mim e retomei os meus sentidos, olhei de relance para o ponto que ela olhava.

Era o metrô.

Ainda faltavam 30 segundos de espera, mas o trem já estava ali, acabando com o
meu flerte. Me recomponho por completo, e percebo que estou do lado errado da
plataforma.

Sabia!

Os números não erram, mas os romances no Rio, mesmo que de 90 segundos, nos fazem errantes.


Eduardo Moraes

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