quarta-feira, 25 de março de 2009

Caju, um conto de Luciano Prado da Silva:

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O cajueiro o cajuá se espedaçou. Era o estandarte da minha infância, mas raio caiu e o machadou ao meio. Pena assim que ficou triste, morreu antes de cajuar de novo. Morreu matando a gente no meio também, secamos como a sua carne, sua madeira.

Verdade que criança teima e insiste em alegrar a vida. Continuaram as brincadeiras no quintal dos vôs. Só que, nem mangaba nem jabuticabeira substituíam o velho amigo nosso cajueiro. Com o tempo, a gente cresceu e adolesceu de brincar salada mista beijos de verdade, primos-irmãos numa lascívia escondida da noite, lascívia palavra difícil pro nojo dos mais novos que chantageavam jurar contar.

Foi que uma noite, primos irmãos em vão se enganavam tentar o inevitável evitar, contudo, o se pegar na coxa engravida, não engravida não, ai, tira seu danado. E uma gotinha de seiva de homem, látex da carne, goticulou no meio seco do cajueiro morto, canto preferido de nós agora enamorados.

Pois não tanto nem tento adiantou presentear os menino pra fugir à chantagem: teve enjôo e vomitar, regra que não desceu, desejo e engordar. Porém o alívio veio com um nome decepção, nome de uma tal verdade mentira da mente, descobriríamos quando adultos nos estudos mais instruídos, havíamos sido vítimas de uma prenhez psicológica.
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Vida que seguiu rumo no prumo, cada qual seguiu seu rastro, separados, unidos só nos finais de ano uns olhares meio saudosos. E num desses tais fins...


Chovejou naquele ano, talvez últimos dias que se viam: o varão viajaria pra distante. Faltou luz no trovejar, mas foi que um dos raios alumiou o mesmo instante em que olhavam para fora da janela e viram um jovem cajueiro que se impunha do centro do véio seco cajuá.

Entreolharam-se. Riram. Mentira. Não. Não pode ser. É claro que não era. Mas brotar brotou do cajueiro cajuá que fez história em nós, e nossa infância.
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Luciano Prado da Silva
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Luciano Prado da Silva é graduado em Letras (Port/Esp) pela UERJ e mestrando em Literaturas Hispânicas pela UFF. Em 2000, publicou o livro de poemas Instantâneos, pelo selo Imprimatur da editora 7Letras. Em setembro próximo lançará, durante a Bienal Internacional do Rio, o livro de contos Aneurisma matou berimbau, pelo selo Quártica Premium da Litteris Editora. Sua prosa tem uma dicção única, por vezes se aproximando da poesia, dando a parecer que as palavras estão fluindo pela boca de um grande contador de causos... Em breve, também nas páginas do jornal Plástico Bolha!
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5 comentários:

Unknown disse...

Adorei o conto muito bem escrito e elaborado. Esse rapaz vai longe!! Parabéns Luciano Prado da Silva.

Anônimo disse...

O conto é belíssimo, adorei. espero ver logo um livro de contos desse rapaz!

Marcelo Figueiredo da Costa disse...

É muito difícil não se sentir íntimo e quase confidente de fatos tão presentes em nossa trajetória. Contudo, encanto-me com a sua competência em retratar cenas cotidianas. A leitura de seu conto torna-se, desse modo, tão prazerosa que simplesmente flui, esvai e nós deixa orfãos querendo mais e mais.
Aguardo anciosamente Aneurisma matou Berimbau.

Unknown disse...

Adorei o conto, muito bom.
P/ Anônimo: Ele acabou de escrever um livro de contos, que será lançado na Bienal do livro dia 19.09.09. Apareça por lá.

Unknown disse...

Chama a atenção a leveza e a simplicidade no desenrolar do conto. As palavras conduzem as imagens, as imagens levam ao espaço da memória. Muito bacana!! Se der, apareço lá no lançamento para prestigiar o trabalho. Felicidades, Luciano.