terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O grito de Botika


“sem mais
o Rio é uma bosta”
                           Pedro Rocha

O estrago não abrange mais
o tamanho do susto,
nas margens, não sobraram
pedaços de madeira,
paus fincados na terra
para lembrar o que
existiu ali um dia.

O grito não é sobre
o cheiro da fumaça
que cega e lacrimeja,
o grito não é sobre
o rumor oculto que alimenta
o imenso reino de sombras
que cresce como um
dilúvio antes do fato.

O grito é muito mais
que simples temor,
angústia, desmedida.

O grito é o que não se curva
diante da desgraça, do domínio
enriquecido pela gula de uns,
enriquecida pela fome de outros.

O grito é o excremento,
o miasma que resta no corpo
quando a podre e crua comida
forma um banquete de vermes

O grito é o sal que escorre
pela carne exposta
e dói e treme e causa ira
e provoca e faz surgir o soco.

Eliminar a ameaça como quem
explode um vilarejo que resiste,
cuja lágrima vem da mesma fonte
do grito, ébrio, puro,
genuíno e entranhado grito
para o que conduz a ordem,
o progresso, a vigência, as hordas
de seguidores que arrancam
com os dentes a pele de quem
não tem mais como existir.

O grito é a própria cidade,
que sofre, perde seus órgãos,
cabelos, membros, sangue,
e se parece cada vez mais
com um deus de pedra,
rachado, puído,
esquecido no futuro,
entre plantas, musgos e lixo,
sem memória
feito uma aldeia vulcanizada.

Pedro Lago

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