quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A borboletinha


É tão pequenina, tão pequenina aquela borboletinha.  E, ainda que tão pequenina, ilumina singularmente toda a rua. Há uma doçura inexplicável em sua luz. Uma luzinha branca, áurea, que vai freneticamente de lá para cá. Está perdida. Nos últimos momentos da vida. Mas a borboletinha não desiste.  Alça voo. Cai de novo. Tenta achar um rumo. E a rua, já escura, se ilumina com os caminhos que percorre pelo ar. Nunca antes vi uma borboletinha tão angelical. De onde veio este ser iluminado? E que maldade ir-se agora, deixando todo este mundo órfão de sua presença. Que presença divina. Ah, borboletinha, não vai, não. Tente mais. Plane novamente com esta candura que poucos têm. Mas ela não ouve meus pensamentos. Eu que estou ali, sentado na calçada, disperso da conversa dos homens. Com olhos apenas para este ser vivo que, ao mesmo tempo, resplandece e agoniza bem ali, diante dos meus olhos. Como é incrível ver que, nos últimos momentos de vida, a borboletinha conserva toda esta beleza divina. Como pode florescer tanta beleza, quanta beleza, meu Deus, minutos antes da morte? Como pode ser que, daqui a alguns minutos, esta luz misteriosa se apague? E por que esta morte doída, sofrida, que faz este pobre ser vivo cambalear, ziguezaguear tortuosamente pelo ar, um tormento que dói um pouco em mim também. Eu que estou ali, sentado na calçada, impávido, imóvel, só com os olhos para a doce borboletinha. Neste momento, eu só queria que ela tivesse força para voar mais alto. E, lá de cima, seguir rumo a algum canto, achar mais alguém que reconheça, como eu, seu encanto. Mas a borboletinha agoniza. Bate nos muros, postes, na árvore, no carro, tenta mais uma vez com um solavanco, ricocheteia, dá um tranco e despenca outra vez... Já está distante – e eu tento acompanhá-la, a despeito dos meus olhos míopes. Queria apenas que ela tivesse força para seguir. Ela se foi. A vida tem fim. Até para esta borboletinha. A morte tem mesmo a aspereza de uma lei, embora nem os lírios nem as borboletinhas nasçam da lei – como era sábio o mestre Drummond. Por que, como um sopro, morre toda esta indizível beleza?
Nunca, jamais saberei...



Rodrigo Cabral colaborou com o desafio poético do Plástico Bolha na edição #30. 


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