quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Penalidade


A cobrança de pênalti foi autorizada pelo juiz. Adalberto deu três passos para trás e respirou fundo. Nesse instante, o peito arquejou e as pernas titubearam. De sofre, encarou a torcida, apreensiva pelo chute que indicaria o campeão da Copa do Brasil. Sim, caso a bola resvale na trave, na arquibancada ou nas luvas do goleiro, ocorrerá um homicídio no Maracanã.   

Adalberto avançou em direção à bola, caprichosamente alvejada na forquilha entre a trave e o travessão. O silêncio entre o momento do apito do juiz (priii) e o carimbo na trave (treeec) virou uníssono. Na arquibancada, vermelho se confundia com preto; e os pretos com os brancos, todos em polvorosa.

De repente, destruíram as grades, barreira entre a arquibancada e o gramado. Os torcedores correram na direção de Adalberto, acuado ao meio do campo. Cada qual com objeto na mão, os transgressores cercaram o atacante. Sem alternativa de fuga, pisou na marca de cal do centro do estádio, e observou as setenta mil pessoas avançarem, em passos candentes. Um pênalti perdido pode mesmo levar uma pessoa à morte? Sim, futebol é casamento: Se os últimos quarenta e cinco minutos forem marcados por angústia, de nada valeram os dez primeiros anos, de conquistas.

Muitos torcedores estavam munidos de bandeira, de sinalizador e até de coquetel molotov. Era uma corrida embrionária para chafundar aquele traidor. Adalberto observou que alguns manifestantes vestiam máscara preta, e se sentiu na pele de políticos fraudulentos. É, deve existir um inciso constituinte que garanta o direito do torcedor ao título de campeão. 

Um homem negro, alto e sem camisa se destacou na barafunda. Com as mãos livres, liderava o comboio, a cerca de dois metros de vantagem de um provável concorrente. Ah é, agora a cabeça do atacante vale mais do que a taça. Adalberto pôde enxergar o céu, límpido, semnuvem. Maldita trave!

Sem pestanejar, o homem acertou um cruzado de direita na cara de Adalberto, que ouviu a rede bramir o alarde da vitória (chuaaa). A bola se aninhou no esconderijo lateral da baliza. Indefensável. 

Embevecido, o atacante fitou a torcida, que hasteava bandeiras e lançava sinalizadores, ao coro de é campeão.

Hugo Pernet


Hugo Pernet é leitor-colaborador do Plástico Bolha e tem outros textos publicados em nosso blog!

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