Tocava na rádio uma daquelas belas canções dos anos 80,
dessas que me fazem recordar aquele tempo bom que eu nunca vivi. O locutor, com
aquela clássica voz sedutora, narrou impecavelmente a dedicatória à namorada de
um ouvinte, que, tão romântico, mandava um beijo para a sua amada e expressava
o quanto sentia sua falta. Pensei que é sorte grande achar um amor assim,
porque é sorte grande ter uma música só pra você, nem que seja ali só por
aqueles três minutos e cinquenta e seis segundos. É só pra você e mais ninguém.
E é difícil estar longe de quem a gente gosta, mas ser lembrado de surpresa por
aquela pessoa que sabe que você, naquela hora, costuma sintonizar naquela
estação, gosta de ouvir aquela música, e sabe ainda que você sempre canta o
refrão nem que esteja apenas gesticulando a mudos lábios, isso sim é sintonia.
E então eu fiquei imaginando que quem mais estivesse a ouvir a canção era
apenas mais um, um figurino daquele ato, assim como eu. Naquele tempo ali, os
protagonistas eram tão somente o casal, cuja entrada fora narrada pelo
magistral locutor, e de repente me vi desenhando na mente a figura de um e de
outro, compartilhando daquela breve música, tão eterna àqueles dois, que não
estavam juntos em corpo, mas ainda assim dançavam juntos, no mesmo passo, um
esperando pelo outro. Tudo a seu tempo.
Absorta em meus pensamentos, somente despertei ao chegar na
minha estação, a seguinte. Retirei os fones. Descendo do trem, percebi o quanto
minha imaginação conseguia tecer e enfeitar histórias tão bonitas quanto reais,
especialmente porque elas já haviam acontecido. Sorri. E me sobreveio uma onda
de satisfação singular, um bem-estar físico e mental, já que, em meio a tantas
tribulações do dia, é sempre maravilhoso ter uma lembrança tangível e suave em
mente para antes de dormir. E aqueles dois desconhecidos amantes seriam minha
lembrança. Até então eu tinha dado somente quatro passos em direção à saída. A
porta do trem fechara, mas uma delas, mais à frente, permanecia aberta, porque algumas
portas na vida e nas coisas da vida são assim, elas não fecham, e a gente
sempre pode voltar, embora nem sempre intencionemos isso. O trem, por fim, deu
sua partida. E ali, recostado naquela abertura, um tipo interessante sorriu pra
mim e me mandou um beijo, que de tão perto estalou dentro do meu ouvido e
seguiu ecoando até que eu não mais pudesse ouvir o trem, longe longe. Talvez
nem tão romântico, talvez nem tão enfeitado como eu poderia inventar, mas esse
foi o meu beijo na estação, e foi nele que eu pensei até chegar ao meu destino,
durante meus merecidos três minutos e cinquenta e seis segundos. Só meus, e
ninguém mais sabia, mas era eu a protagonista.
Jorcianne Soares
Jorcianne Soares é leitora-colaboradora de Marechal Hermes, Rio de Janeiro - RJ.
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