quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Um beijo na estação


Tocava na rádio uma daquelas belas canções dos anos 80, dessas que me fazem recordar aquele tempo bom que eu nunca vivi. O locutor, com aquela clássica voz sedutora, narrou impecavelmente a dedicatória à namorada de um ouvinte, que, tão romântico, mandava um beijo para a sua amada e expressava o quanto sentia sua falta. Pensei que é sorte grande achar um amor assim, porque é sorte grande ter uma música só pra você, nem que seja ali só por aqueles três minutos e cinquenta e seis segundos. É só pra você e mais ninguém. E é difícil estar longe de quem a gente gosta, mas ser lembrado de surpresa por aquela pessoa que sabe que você, naquela hora, costuma sintonizar naquela estação, gosta de ouvir aquela música, e sabe ainda que você sempre canta o refrão nem que esteja apenas gesticulando a mudos lábios, isso sim é sintonia. E então eu fiquei imaginando que quem mais estivesse a ouvir a canção era apenas mais um, um figurino daquele ato, assim como eu. Naquele tempo ali, os protagonistas eram tão somente o casal, cuja entrada fora narrada pelo magistral locutor, e de repente me vi desenhando na mente a figura de um e de outro, compartilhando daquela breve música, tão eterna àqueles dois, que não estavam juntos em corpo, mas ainda assim dançavam juntos, no mesmo passo, um esperando pelo outro. Tudo a seu tempo.

Absorta em meus pensamentos, somente despertei ao chegar na minha estação, a seguinte. Retirei os fones. Descendo do trem, percebi o quanto minha imaginação conseguia tecer e enfeitar histórias tão bonitas quanto reais, especialmente porque elas já haviam acontecido. Sorri. E me sobreveio uma onda de satisfação singular, um bem-estar físico e mental, já que, em meio a tantas tribulações do dia, é sempre maravilhoso ter uma lembrança tangível e suave em mente para antes de dormir. E aqueles dois desconhecidos amantes seriam minha lembrança. Até então eu tinha dado somente quatro passos em direção à saída. A porta do trem fechara, mas uma delas, mais à frente, permanecia aberta, porque algumas portas na vida e nas coisas da vida são assim, elas não fecham, e a gente sempre pode voltar, embora nem sempre intencionemos isso. O trem, por fim, deu sua partida. E ali, recostado naquela abertura, um tipo interessante sorriu pra mim e me mandou um beijo, que de tão perto estalou dentro do meu ouvido e seguiu ecoando até que eu não mais pudesse ouvir o trem, longe longe. Talvez nem tão romântico, talvez nem tão enfeitado como eu poderia inventar, mas esse foi o meu beijo na estação, e foi nele que eu pensei até chegar ao meu destino, durante meus merecidos três minutos e cinquenta e seis segundos. Só meus, e ninguém mais sabia, mas era eu a protagonista.

Jorcianne Soares


Jorcianne Soares é leitora-colaboradora de Marechal Hermes, Rio de Janeiro - RJ. 

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