terça-feira, 13 de maio de 2014

O inútil Cê-cedilha


Sempre impliquei com o cê-cedilha e não entendo como ele conseguiu sobreviver à última reforma ortográfica. Se o trema foi eliminado, sem dó nem piedade, deixando as linguiças com o U exposto, por que livraram a cara do Ç que só existe pra confundir? Fui me informar de sua origem e não encontrei nada que justificasse a sua existência. No dicionário consta que é uma letra latina usada nos alfabetos das línguas alanesa, azeri, ligure, tártara, turca, turcomena, curda e zazaki. Só gente fina. Como se pode ver é de grande utilidade, vai que você encontra alguém que fala zazaki e precisa do Ç. Deve ser por isso que ele segue vivo no nosso alfabeto infernizando nossas vidas. O mesmo alfabeto que se modernizou incluindo os sofisticados estrangeiros K, Y e W que facilitaram a nossa vida e nos livraram de ler aberrações como fidebeque, daunloade e feicebuque, entre outras.  Fato é que ninguém explicou por que o Ç continua na ativa.

Tomemos como exemplo a frase “Vamos cassar os políticos corruptos”. Se ele for cassado com seus dois S, o político perderá o mandado e os direitos políticos, com amplas possibilidades de ser absolvido mais tarde. Agora ele for caçado com o famigerado Ç, estará extinto e nos livraremos deles para sempre. Tudo isso dentro da legalidade lexical.

Professores advertem seus alunos que uso indevido do Ç pode causar problemas e citam um exemplo clássico. Quando você vai ao cinema, você vai à cessão das dez, seção das dez, ou sessão das dez? Se você foi às duas primeiras, perdeu o filme. Cessão é o ato ceder alguma coisa, seção é a parte de um todo, logo só pode ser a última sessão, que tem a ver com a palavra latina sessio, ação de sentar, como nas salas de cinema. Complicado não é? Com a eliminação do Ç bastaria uma única sessão para os três casos, o complemento da frase é que diria qual o significado específico.

O barco que issar as velas conseguirá velejar? O Flamengo ganhará mais títulos apoiado pela nova nassão rubronegra? O pescador pegará mais siris se usar um novo pussá? As crianças dormirão em paz com as novas canssões de ninar? A Tradissão perderá pontos no desfile desfilando com esse novo nome? Vai continuar tudo na mesma para o povão que nunca se preocupou com essas nuances do nosso alfabeto. Nuances? Não seriam nuansses? Nuançes jamais.

Com a retirada de cena do Ç, quem terá mais trabalho será o S, que além de organizar os plurais, terá nova função ao lado de outro S. Eles atuariam em dupla, como o Cosme e Damião do nosso léxico, mas nada impede que eles se unam e apareçam como o Eszett do alfabeto gótico, um símbolo parecido com o beta grego. Pensando bem, aí pode complicar ao invés de simplificar. É melhor manter o Ç e deixar a voz do povo cuidar dele.



Fabio Bastos é leitor-colaborador do Plástico Bolha e tem outros textos publicados no blog e no jornal impresso. Confira!

2 comentários:

Sheila D. Lima disse...

Muito interessante! Vendo por certo ponto, realmente pode ser desnecessário. Como sou patologicamente apegada às coisas, porém, devo dizer que não queria nem que o trema fosse embora, quanto mais o cedilha... hehe.
Mas verdade seja dita: resolveria o problema da muçarela (ainda não acredito que se escreve assim...)

Beijinhos Alados ♥

Anônimo disse...

Eu também não gosto da cedilha, tenho-a no meu sobrenome (Caliço) mas vou explicar o porquê de ela existir.

Não sou entendido nas letras nem línguas mas sei que a língua portuguesa, pelo menos a de Portugal permanece muito medieval por questões de preservação, o mesmo já não acontece no Brasil onde a maior importância é dada à praticabilidade e daí surgirem tantas palavras novas e fazerem tantas alterações ao português no Brasil.

Se tirassem a cedilha teriamos de a substituir pelo X em muitas palavras.

Por exemplo, a palavra SECÇÃO ficaria mal como SECSSÃO, como tal teria de ser SEXÃO, que na minha opinião é um pouco hilária.

Sinceramente não gosto da cedilha, mas sei que em Portugal seria um grade problema alterar isto.