Aos vinte e cinco dias do mês de abril, do ano de
dois mil e dezessete, às 21 horas em segunda e última convocação, reuniram-se
em Assembleia Geral Extraordinária os condôminos do Edifício Andorinha,
localizado na Rua Itacuruçá, 72, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro. A Sra.
Esmeralda Sampaio (apt 405) pediu a palavra. Informou que solicitara a
convocação da presente reunião porque completara naquela semana 32 noites mal
dormidas. O Sr. Aristeu Mendonça (apt 702) a interrompeu, alegando que aquele
não era o fórum para esse tipo de reclamação, que tinha muitos compromissos,
inclusive para estar ali presente desmarcara uma sessão de fisioterapia para
tratar de seu problema de quadril, que o atormenta há muito mais do que 32
noites, mais precisamente 64 dias, desde sua queda na saída do metrô da Estação
Uruguai. A Sra. Esmeralda Sampaio insistiu que se tratava sim de um problema a
ser debatido pelos condôminos porque a causa de seu sono interrompido era a
incapacidade da locatária do imóvel 505, portanto acima do seu, de controlar o
choro de seu bebê recém-nascido, acrescentando que os berros do menino se
acentuam pela noite, seguidos de passos de vaivém pelo apartamento, que não a
deixam descansar na paz de seu lar, e que este provavelmente era um incômodo
que perturbaria outros moradores e não apenas ela, devido aos gritos
amplificados pelo silêncio da madrugada. A Sra. Veridiana Marques (apt 506)
informou que também ouve os choros de madrugada, porém não tão alto quanto sua
vizinha, talvez por seu apartamento ser em uma coluna mais distante, mas que em
uma ocasião recente, quando pendurava um quadro em seu quarto, uma réplica dos
girassóis de Van Gogh que ganhou de uma amiga que viajara ao exterior, teve de
interromper a atividade para atender o interfone. O porteiro pedira que não
fizesse barulho pois o bebê da moradora do apt 505 estava dormindo e acordou
com as marteladas, sendo que eram 16 horas da tarde, portanto dentro do horário
permitido para atividades como marteladas e demais tipos de reformas nos
apartamentos e até mesmo treinos de bateria, como os do vizinho do sexto andar,
que também a incomodam bastante, mas que ela jamais reclamou porque preza pela
boa convivência com os demais moradores. A Sra. Veridiana Marques acrescentou
que por conta do telefonema do porteiro não terminou de pendurar o quadro,
ficando uma marca em sua parede da martelada inacabada, e que não vê por que os
demais moradores devem modificar sua rotina em prol de um recém-nascido cujo
choro insistente não colabora para a paz daquela comunidade. O Sr. Antônio
Pedrosa (apt 1007) pediu a palavra e disse considerar um absurdo que o bebê
seja condenado por seu choro, uma necessidade tão natural e justificável quanto
respirar. Ele acrescentou que a culpa, se tivesse de ser atribuída a alguém,
seria à mãe, que aliás deve viver sozinha pois jamais vira seu marido a
circular pelo edifício, nem mesmo aos fins de semana. E que se ela engravidou e
o homem não quis assumir, alguma coisa ela fez por merecer, talvez não tivesse
se protegido como deveria. A Sra. Cristina Ribeiro (apt 702) concordou com o
vizinho e acrescentou que as mulheres hoje em dia não se dão o respeito e estão
tão preocupadas com o trabalho fora de casa que não têm mais tempo para cuidar
dos próprios filhos e que aí estava a origem de boa parte das mazelas que hoje
assolam o mundo. A Sra. Mirna Esteves (apt 303) discordou e insistiu que,
apesar de não conhecer a moradora do apt 505, era solidária a ela e a todas as
mulheres que são obrigadas a conviver com uma sociedade tão machista, retrógrada
e falso moralista, e que o cuidado de um filho deve ser dividido entre pai e
mãe e que se ela havia sido abandonada pelo homem que a engravidou este seria
mais um motivo para ter a empatia e o apoio dos moradores do Edifício
Andorinha. O Sr. Carlos Alexandre Oliveira (apt 506) pediu então a palavra e
acrescentou que ouvira na noite anterior não só o choro da criança, mas também
uma voz de mulher, que perdurou por pelo menos quarenta minutos, como se
estivesse pedindo socorro, proferindo palavras como “por favor, filho, durma,
eu não aguento mais, eu não aguento mais”, e que pensou em entrar em contato
pelo interfone, mas imaginou que poderia parecer invasão de privacidade e sua
esposa o demoveu da ideia. O Sr. Carlos Alexandre acrescentou que tentou gravar
as vozes com seu celular para depois buscar orientação sobre como proceder, mas
estava sem memória no seu aparelho desde sua última viagem para a Disney, pois
não tinha tipo tempo de efetuar o download para o computador das imagens, que
eram muitas. A Sra. Lucia Furtado (apt 103) questionou se a moradora do apt 505
havia sido convidada para a reunião, para que pudesse se defender das acusações
ou até mesmo buscar a ajuda que talvez precise. O síndico, Sr. Aristarcho
Pessoa (apt 204), argumentou que o funcionário da administração tentara
entregar pessoalmente a convocação, mas não obtivera resposta, e como ninguém
atendera ao interfone ou à campainha ele decidira ordenar que o funcionário
deslizasse o envelope por baixo da porta. Desta forma, o Sr. Aristarcho
acredita que se estivesse em casa, a locatária do apt 505 teria certamente
percebido o documento sob sua porta, e se não estava ali entre os presentes não
era de seu interesse a participação naquela reunião. A Sra. Janeth Barros (apt
508) informou que a locatária tem nome, chama-se Maria das Dores, aluga o
apartamento em questão há pelo menos cinco anos, e que era inadmissível que a
reunião prosseguisse sem a sua presença. Todos concordaram que fosse formada
uma comissão para se dirigir ao apartamento da inquilina e convidá-la
pessoalmente a participar da assembleia. A Sra. Janeth Barros, o Sr. Aristarcho
Pessoa e a Sra. Mirna Esteves subiram em seguida até o quinto andar e
encontraram ao pé da porta do apartamento 505 uma carta endereçada aos condôminos
do Edifício Andorinha. A Sra. Janeth Barros argumentou que, como não havia
resposta à campainha, mesmo depois de insistirem por cinco vezes e aguardarem
por cerca de dez minutos, o grupo deveria retornar à assembleia e ler a carta
na presença dos demais. De volta à reunião, o síndico abriu o envelope pardo e
retirou dele uma folha branca, escrita em letra cursiva com caneta Bic:
“Desculpem o transtorno. Eu tentei”, leu o Sr. Aristarcho, que então ficou
branco como cera, sendo amparado pela Sra. Veridiana Marques, que comunicou que
chamaria a polícia para arrombar a porta do apartamento 505. Os policiais
chegaram cerca de 20 minutos depois, tendo sido acompanhados pela Sra. Janeth
Barros até o andar. Ao retornar ao salão do condomínio, a Sra. Janeth relatou
aos demais que por trás da porta arrombada havia roupas espalhadas pelo chão,
restos de comida, fraldas sujas e, em um dos quartos, segundo lhe contara o
policial, porque ela não tinha tido coragem para entrar, estava o bebê acordado
e estranhamente silencioso ao lado do corpo da mãe, já sem vida, e alguns
comprimidos, provavelmente pílulas para dormir que ela tomara além da conta. A
Sra. Janeth acrescentou que o corpo da mulher seria encaminhado ao Instituto
Médico Legal e que o menino ficaria aos cuidados do Juizado de Menores, até que
sua família, se é que ele a tinha, fosse encontrada. O relato da Sra. Janeth
foi seguido de gritos de desespero e orações, Pai Nosso, Credo, Ave Maria. A
Sra. Mirna Esteves se dirigiu à Sra. Esmeralda Sampaio e disse que agora, sim,
ela poderia dormir tranquila esta noite, e a vizinha desandou a chorar. O Sr.
Antônio Pedrosa foi o primeiro a levantar a questão de se tratar o episódio com
a devida discrição, pois certamente acarretaria em desvalorização dos imóveis
do Edifício Andorinha e prejuízo ao proprietário do apt 505, seu amigo de longa
data, que não conseguiria alugar o apartamento tão cedo novamente caso o
escândalo viesse à tona. Todos, com exceção da Sra. Mirna Esteves, concordaram
que era preciso marcar uma nova reunião para discutir o assunto. Sem nada mais
a ser tratado, o Sr. síndico, já recuperado de seu mal súbito, deu por
encerrado os trabalhos, solicitando que o secretário lavrasse a presente ata,
que segue assinada por quem de direito.
Daniella Clark
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