quinta-feira, 21 de maio de 2009

LEITURAS ESPARSAS: Projeto Livro Falado

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Você sabia que um livro possui olho? E, antes de começar sua leitura, já reparou atentamente a primeira capa, a segunda, a terceira e a contracapa do livro que tem em mãos? Não se pode deixar de reparar no expediente também; sim, os livros possuem expediente. Enfim, essas são só algumas partes que quase todo livro possui e que, muitas vezes, com nossos olhos famintos e desajeitados, nem percebemos.

Analu Palma é a idealizadora do Projeto Livro Falado, que tem como objetivo levar aos cegos obras literárias na voz das pessoas que queiram aprender como ler de forma correta e fazer as gravações através das oficinas que, atualmente, acontecem às segundas-feiras, no Centro Cultural Justiça Federal.

Foi uma surpresa; primeiro, por descobrir esse grupo de ledores, apaixonados por literatura e dispostos a compartilhar e levar grandes obras de escritores brasileiros para os cegos e, segundo, por perceber como podemos ser poucos sensíveis e atentos ao pegar um livro. Fazer a oficina do Livro Falado é como encontrar um livro pela primeira vez.


Camila: De onde partiu essa vontade de criar o Projeto Livro Falado?

Analu: O projeto surgiu há dez anos atrás. Eu sou zen budista e, em uma meditação, me veio a intuição de que deveria fazer esse trabalho. Não tenho ninguém cego na família, nunca tive que lidar com cegueira, nem conhecia absolutamente nada desse universo. Daí aproveitei na verdade dois privilégios que tenho na vida: o primeiro é o de amar o livro imensamente; pensei, “Nossa, existem pessoas que não têm acesso ao livro, eu posso doar isso”; e o segundo é a minha voz trabalhada de atriz pra fazer com que essas pessoas conheçam o conteúdo de livros. Então, uni duas habilidades numa missão que eu acho que tinha pra fazer na vida.

Camila: Você fala de inclusão...

Analu: Talvez a parte mais interessante da sociedade em que vivemos seja esse olhar inclusivo, a gente tentar apreender todas as diferenças do ser humano, aquele que não enxerga, aquele que não ouve, aquele que tem dificuldade de andar, a pessoa muito obesa, o idoso... Acho que isso é um diferencial da nossa sociedade contemporânea, buscar integrar. Na verdade, incluir nem é mais a melhor palavra; integrar, sim, é melhor. Todas as diferenças humanas como possibilidades diversas. Então, trabalhar para essa integração e especialmente pra difusão do livro! O livro é uma coisa genial, você abre e mergulha em conteúdos que você nem imaginava. Trabalhar nisso tem me feito muito feliz.

Camila: Como é feita a seleção dos livros? Existe um critério ou posso ser ledor de um livro de que simplesmente gosto?

Analu: Pode. Dentro do Projeto Livro Falado o critério que tenho usado é o de escolher autores brasileiros vivos. Por quê? Porque a minha tentativa é de diminuir a distância entre a produção contemporânea de livro e a pessoa cega. Porque essa pessoa cega está ouvindo um autor que vai à Bienal, que vai dar uma entrevista aqui e ali; então, se ela puder conhecer o conteúdo desse contemporâneo vai ser algo um pouco melhor, não é?

Camila: Geralmente quem são os ledores?

Analu: Primeiro de tudo, pessoas que gostam de ler. Segundo, pessoas que ouviram falar do Projeto e se sensibilizam com a proposta. Terceiro: são pessoas que já pensaram em diversos momentos de sua vida em fazer esse trabalho. Na maioria absoluta são mulheres. Como você pode ver nesse grupo, temos apenas dois homens.

Camila: Agora, uma curiosidade que tenho. Por exemplo, Borges ficou cego e Beethoven compôs suas maiores obras depois de surdo. Eles “perderam” seus sentidos, mas Beethoven tinha memória auditiva suficiente para compor, e Borges desenhava seus escritos mentalmente, antes de ditar à Kodama. Você acha que com o Livro Falado, os cegos podem ter contato com os livros de uma forma que posteriormente os faça ter vontade de escrever?

Analu: Existem vários autores cegos; por exemplo, o Glauco Mattoso que é um poeta paulista maravilhoso com vários livros editados, é um trabalho brilhante pra gente conhecer. Ainda no Brasil temos a Virgína Vendramini que, além de ser poeta, é também uma tapeceira. A gente tem um esloveno, Evgen Bavcar que escreve, é professor de filosofia da Sorbonne e é fotógrafo. Então, temos expoentes maravilhosos que produzem literatura, artes plásticas, fotografia aí no mercado, claro que com mais dificuldade que uma pessoa sem deficiência. Dificilmente consumimos a gente consome a arte de pessoas com deficiência porque nem sabemos de sua existência. Esse processo da inclusão começa também com a gente levando ao consumir o produto feito por essas pessoas.

Camila: Também tem uma coisa delicada, que é, por exemplo, comprar o livro porque o autor é cego; daí temos uma curiosidade diferente que não é a mesma que nos leva a escolher o livro de um autor não cego.

Analu: O importante é tirar esse adjetivo. Na verdade essa pessoa é um artista. Ter deficiência visual é só um termo secundário, mas para isso é importante que ele também já saiba se colocar como um artista, e não como um artista com deficiência. Acho que é um caminho de mão dupla que precisamos aprender.
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Para quem quiser conhecer mais o Projeto Livro Falado é só clicar aqui!
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