(por Camila Justino)
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“Você quer fazer uma entrevista para o Plástico Bolha com o filho de Tancredo?”. O filho de Tancredo Neves. Tentei fugir algumas vezes, inventei desculpas, novos assuntos, mas não havia jeito, Décio continuava com a mesma pergunta: “Você não quer fazer uma entrevista com o filho de Tancredo? Ele está ali, olha!”. Estava mesmo, sentado num sofá, numa conversa animada e cercado por amigos que bebiam whisky. É claro que eu queria; sabia que seu pai, Tancredo Neves, tinha sido eleito presidente do Brasil em 1985, porém, antes de tomar posse faleceu por motivos de saúde, causando um grande impacto na sociedade da época; afinal, um civil assumiria o poder depois de tanto tempo de ditadura. Eu só adiei o momento porque sabia que poderia fazer várias perguntas relacionadas à memória e à história, mas não era capaz de fazer uma contextualização imediata entre literatura e a família Neves. Mesmo assim, Augusto Tancredo Neves Filho quebrou toda minha insegurança, demonstrando a simpatia de um legítimo mineiro.
Augusto: Não me chama de senhor, não!
Camila: Ah, não? Desculpa! Desculpa então... É porque, porque admiro muito a trajetória da sua família e imagina... chamar você de você, eu fico meio... bem, mas o Décio estava me dizendo que além de economista, você escreve crônicas.
Augusto: Olha, você não deve chamar ninguém de economista, viu? Hoje em dia economista soa pejorativo.
Camila: Ah, ta. Mas, você também escreve alguma coisa?
Augusto: Eu escrevia cartas...
Camila: Pra quem?
Augusto: Ah, pra pessoas interessantes... Hoje ninguém escreve mais carta!
Camila: Não mesmo! Aliás, eu escrevo, quando estou apaixonada, sabe? Escrevo mesmo. Mas nunca mando essas cartas...
Augusto: Pois é, mas eu mando!
Camila: Não manda e-mail?
Augusto: Eu mando e-mail, mas e-mails restritamente profissionais, mas conversar por e-mail de jeito nenhum!
Camila: Existem vários livros que publicam cartas trocadas entre escritores, políticos, amantes... agora, a gente vai fazer o que para resgatar a memória dessa gente? Rastrear e-mail?
Augusto: Pois é, isso é problema de geração! Vocês agora entram nesses sites para ficarem conversando! Eu sou da geração que escrevia cartas e falava por telefone! Eu não sei conversar teclando! Aliás, acho isso uma coisa horrorosa, uma chatice!
Camila: As pessoas namoram pela internet, marcam encontros sem troca de olhar, sem...
Augusto: Isso, isso aí! O meu limite no sistema é só mandar e-mail profissional, eu já paro por aí!
Camila: Ao mesmo tempo não dá para ser muito saudosista, né? A gente sempre fica achando que o tempo anterior era melhor do que o que vivemos no presente...
Augusto: É, mas antes você tinha mais tempo. Tinha tempo até para raciocinar, o computador te tirou esse tempo. Até para falar uma mentira, o celular acabou com isso, você não pode mais mentir, não pode nem trair!
Camila: E quando se marcava um encontro num determinado lugar, as pessoas iam; hoje em dia, pode-se desmarcar tudo em cima da hora, é só ligar ou mandar uma mensagem. Hoje, “o encontro” tomou perspectivas diferentes.
Augusto: Hoje em dia é o seguinte: é a evolução imbecilizada...
Nesse momento o garçom chegou com os pratos.
Augusto: O que é isso?
Camila: É macarrão... coberto com um creme de leite que esconde a massa.
Augusto: Então deixa aí. Depois eu como... Que é a versão imbecilizada de um livro que se chama 1984 do George Orwell, que é o Big Brother. Então, o que acontece? Acontece que nós chegamos, já estamos além, porque a privacidade foi embora, em todos os sentidos. Então, quando a gente fala que o tempo anterior era melhor, é porque você tinha uma privacidade, hoje você não tem. É o que falo... Você não pode mais falar, dizer a mentira verdadeira , falar aquela mentira que todo mundo usava, sabe? Eles gravam tudo do olho! Você é escravo de tudo, escravo do mundo, do olho de que George falava no livro. Outro dia eu estava lendo que, em São Paulo, querem colocar o GPS, obrigatório, em tudo que é carro. Você já tem um celular, GPS (com indignação), e aí? Você vai esconder embaixo da terra? O meu jogo era outro! Agora eu tenho que entrar no jogo de vocês! A evolução no meu tempo era aritmética! Agora é geométrica! Eu não consigo acompanhar isso. O bom é que a gente morre, a morte é uma solução fantástica!
Camila: Antes de terminar, qual livro que está na sua cabeceira?
Augusto: Código da vida, do Saulo Ramos.
Trocamos e-mails e fomos ao macarrão.
Augusto: Não me chama de senhor, não!
Camila: Ah, não? Desculpa! Desculpa então... É porque, porque admiro muito a trajetória da sua família e imagina... chamar você de você, eu fico meio... bem, mas o Décio estava me dizendo que além de economista, você escreve crônicas.
Augusto: Olha, você não deve chamar ninguém de economista, viu? Hoje em dia economista soa pejorativo.
Camila: Ah, ta. Mas, você também escreve alguma coisa?
Augusto: Eu escrevia cartas...
Camila: Pra quem?
Augusto: Ah, pra pessoas interessantes... Hoje ninguém escreve mais carta!
Camila: Não mesmo! Aliás, eu escrevo, quando estou apaixonada, sabe? Escrevo mesmo. Mas nunca mando essas cartas...
Augusto: Pois é, mas eu mando!
Camila: Não manda e-mail?
Augusto: Eu mando e-mail, mas e-mails restritamente profissionais, mas conversar por e-mail de jeito nenhum!
Camila: Existem vários livros que publicam cartas trocadas entre escritores, políticos, amantes... agora, a gente vai fazer o que para resgatar a memória dessa gente? Rastrear e-mail?
Augusto: Pois é, isso é problema de geração! Vocês agora entram nesses sites para ficarem conversando! Eu sou da geração que escrevia cartas e falava por telefone! Eu não sei conversar teclando! Aliás, acho isso uma coisa horrorosa, uma chatice!
Camila: As pessoas namoram pela internet, marcam encontros sem troca de olhar, sem...
Augusto: Isso, isso aí! O meu limite no sistema é só mandar e-mail profissional, eu já paro por aí!
Camila: Ao mesmo tempo não dá para ser muito saudosista, né? A gente sempre fica achando que o tempo anterior era melhor do que o que vivemos no presente...
Augusto: É, mas antes você tinha mais tempo. Tinha tempo até para raciocinar, o computador te tirou esse tempo. Até para falar uma mentira, o celular acabou com isso, você não pode mais mentir, não pode nem trair!
Camila: E quando se marcava um encontro num determinado lugar, as pessoas iam; hoje em dia, pode-se desmarcar tudo em cima da hora, é só ligar ou mandar uma mensagem. Hoje, “o encontro” tomou perspectivas diferentes.
Augusto: Hoje em dia é o seguinte: é a evolução imbecilizada...
Nesse momento o garçom chegou com os pratos.
Augusto: O que é isso?
Camila: É macarrão... coberto com um creme de leite que esconde a massa.
Augusto: Então deixa aí. Depois eu como... Que é a versão imbecilizada de um livro que se chama 1984 do George Orwell, que é o Big Brother. Então, o que acontece? Acontece que nós chegamos, já estamos além, porque a privacidade foi embora, em todos os sentidos. Então, quando a gente fala que o tempo anterior era melhor, é porque você tinha uma privacidade, hoje você não tem. É o que falo... Você não pode mais falar, dizer a mentira verdadeira , falar aquela mentira que todo mundo usava, sabe? Eles gravam tudo do olho! Você é escravo de tudo, escravo do mundo, do olho de que George falava no livro. Outro dia eu estava lendo que, em São Paulo, querem colocar o GPS, obrigatório, em tudo que é carro. Você já tem um celular, GPS (com indignação), e aí? Você vai esconder embaixo da terra? O meu jogo era outro! Agora eu tenho que entrar no jogo de vocês! A evolução no meu tempo era aritmética! Agora é geométrica! Eu não consigo acompanhar isso. O bom é que a gente morre, a morte é uma solução fantástica!
Camila: Antes de terminar, qual livro que está na sua cabeceira?
Augusto: Código da vida, do Saulo Ramos.
Trocamos e-mails e fomos ao macarrão.
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Um comentário:
Essa entrevista é real em algum grau?
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