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Certa vez, um professor que eu admirava justamente pelas qualidades intelectuais, me disse, contrariando um grande filósofo, que o ser humano não existe porque pensa, mas porque outros seres humanos constantemente o lembravam disso, eles que diziam-lhe que existia. Em outras palavras, o ser humano, na lógica do meu professor, apenas poderia ser chamado como tal porque se relacionava com outros, e desta maneira um homem sozinho no mundo não poderia ser chamado de homem. Ninguém é uma ilha, diria ele. Este pensamento me veio à mente ao ouvir a história contada pelo meu amigo Francisco Rondon, há pouco mais de duas horas. Chico, como é chamado pelos amigos, relatou-me que na madrugada de sexta para sábado, no último dia 13 de agosto, foi espancado por três jovens na saída da festa organizada por ocasião da formatura dos alunos do Instituto de Economia da UFRJ, no clube Marapendi, na Barra. Seu estado não o deixava mentir. Escoriações, ferimentos e marcas se espalhavam pelo seu corpo. Estupefato, ouvi Chico contar-me que estes três jovens não tinham motivo algum para espancar-lhe, e que o fizeram deliberadamente e sem escrúpulos. Na tentativa de fugir, ele machucou-se ainda mais ao pular a grade de um condomínio vizinho ao clube. Quase inconsciente, conseguiu arrastar-se até a portaria do prédio, quase sem roupas e em um estado lastimável. Um carro de polícia o socorreu e o levou até sua casa.
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Eu quase não acreditava no que ouvia, já que Chico é uma das pessoas mais pacíficas que conheço, e jamais pensei que isto pudesse acontecer logo com ele. Logo, a minhas estupefação e preocupação misturaram-se com uma indignação melancólica, quase que uma tristeza. E esta indignação é o que move este breve texto. Como um lampejo, a máxima do meu professor reavivou-se na minha memória, na tentativa de responder a algumas perguntas que giravam na minha mente. O que leva jovens de classe média alta, com oportunidades, acesso a informação, a praticar um ato hediondo como este? Qual é a motivação destes jovens? Em outras palavras, porque este tipo de comportamente existe? Então, revi a máxima do meu professor e concluí a seu favor: somos seres humanos apenas na medida em que nos sensibilizamos com o próximo, que respeitamos a vida e a dignidade humana acima de tudo. Não somos seres humanos porque construímos prédios ou elaboramos leis, mas fundamentalmente porque nos relacionamos, aprendemos, choramos, sentimos, rimos. Se nos é privado esse direito, o direito à vida, então o que nos resta?
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O episódio da madrugada passada envolvendo Francisco Rondon poderia ter terminado pior, caso ele não tivesse pulado o muro do condomínio. E o fato ocorrido, infelizmente, não é um acontecimento disperso, mas conecta-se a diversos outros que também poderiam ilustrar que mais que um desvio de conduta, esse tipo de comportamento é efetivamente uma prática cultural amplamente difundida dentre alguns grupos de classe média alta da juventude carioca. A cultura da violência parece disseminada em alguns deste grupos, vide os inúmeros casos de agressão e brigas em boates e festas. Grupos de jovens se reúnem e marcam hora para brigas pela internet, outros queimam índios na rua ou assassinam prostitutas. Recentemente, ouve o caso do atropelamento do estudante Rafael Mascarenhas, por jovens que praticavam pega em um túnel fechado. Parece que mais que uma exceção, este tipo de comportamento vem cada vez mais revelando uma tendência crescente nociva à sociedade, que deve ser imediatamente coibida.
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O mais assustador, para mim, como jovem nascido e criado na Zona Sul, é atestar que este tipo de comportamento está tão perto de nós espacialmente que muitos preferem fingir que não o vêem, em vez de tratá-lo como um problema, uma patologia social. Provavelmente, alguém que leia este texto conhece os três espancadores de Chico Rondon, e até convive com eles. Nossa tentativa será ir atrás dos meios legais para identificar os três espancadores e fazer-lhes responder sobre seus atos. Esperamos que eles sejam identificados o mais brevemente possível, e não cessaremos nossas forças enquanto isto não acontecer. Mais do que isto, esperamos que esta cultura da violência seja banida das práticas de uma juventude que parece desconhecer mínimas regras de convívio social e respeito pela vida humana em sua forma mais simples.
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Gustavo Guimarães
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Gustavo Guimarães é mestrando em Sociologia pela Puc-Rio e nos enviou esse artigo referente ao espancamento do estudante Francisco Rondon, na Barra da Tijuca, no ultimo final de semana, conforme noticiado no jornal O Globo. Mesmo sabendo que o jornal é majoritariamente voltado para poesias, achou que esse artigo imprime uma reflexão interessante no comportamento de certos grupos de jovens, e seria uma interessante leitura voltada exatamente para o público do Plástico Bolha.
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3 comentários:
Muitisssimoooooo Interessante, as analises deste ser. É, taí uma coisa a ser pensanda e repensada pelos seres humanos. Vendo por esse lado, ei de concordar com o professor.
Bom uso do blog!
é muita brutalidade... aonde isso vai parar?
A condição social que possuem e a certeza da impunidade,trazem esse pensamento:posso agir como quiser, posso tudo.
Algumas pessoas agem como se fossem donas do mundo.....
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