É com grande tristeza que recebemos a notícia do falecimento do ator, escritor e diretor José Wilker. Além de um talento indiscutível para o cinema e televisão, José foi também um amigo das letras e do jornal Plástico Bolha. Foi com muito orgulho que publicamos a sua entrevista na nossa edição #17, que temos a honra de republicar aqui, como uma última homenagem. Todo o nosso sentimento a nossa grande amiga Isabel, sua filha, que assina a entrevista, e a todos os demais amigos e familiares. O Plástico Bolha se junta a este sentimento e temos certeza de que este amigo do bolha deixará saudades.
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José Wilker é ator, escritor, diretor. Tem mais de quarenta
anos de carreira, já atuou em mais de quarenta e cinco filmes, trinta e cinco
novelas, e um sem número de peças de teatro. Escreveu crônicas durante cinco
anos para o Jornal do Brasil, que resultaram na publicação do livro Como deixar
um relógio emocionado, em 1996. Também escreveu sobre cinema para a revista
Contigo por um ano.
Você tem o hábito de escrever desde criança ou começou mais
tarde?
Minha memória mais antiga está numa foto na qual estou
escrevendo. Ela está perdida, tenho apenas a memória dela. Estou sentado diante
de uma mesa, num lugar que suponho seja o quintal das minhas tias. Escrevendo.
Então, devo dizer que o ato de escrever exerce desde sempre um fascínio todo
especial para mim. Eu já escrevia mesmo antes de saber escrever. Copiava
letras. Juntava várias delas em grupos, apenas porque as formas delas me
encantavam. Depois, lia em voz alta lhes atribuindo significados, algo como a
reprodução das histórias que andavam pela minha cabeça.
Tem o hábito de escrever regularmente?
Escrevo sempre, todos os dias. Às vezes por obrigação
profissional, outras por simples prazer ou para não esquecer.
O que o faz ter vontade de escrever?
Não tenho exatamente “vontade” de escrever. É como respirar,
a gente nem percebe. De repente, está escrevendo.
Como funciona a escolha dos seus temas? Quando trabalhou no
JB, por exemplo, e precisava escrever uma crônica por semana, como fazia?
Escolho ao acaso. Escolho quando algo me chama a atenção.
Quando percebo algum humor num acontecimento. Para o JB – e nessa época eu
escrevia para mais dois outros meios – por conta da exigência de um texto novo
a cada semana, eu usava um método um tanto quanto maluco. Escrevia uma frase
qualquer e esperava que ela me conduzisse daí para frente. Ficava olhando a
frase na tela do computador até que ela me ensinasse como continuar.
O que mais gosta de escrever, crônica, teatro, cinema,
poesia, contos....?
Gosto de crônica e de teatro. Já escrevi poesia e morro de
vergonha dela. Minha poesia é medíocre. Contento-me com as letras de música que
escrevo para as minhas peças. Letra de música é mais fácil, basta colar algumas
imagens desencontradas, um verso quase brilhante e a música se encarrega de dar
sentido àquilo.
Quando está trabalhando com prazo, consegue fazer as coisas
com antecedência ou espera o último minuto possível para começar a escrever? A
urgência ajuda ou atrapalha?
Escrevo sempre no último minuto. A urgência é uma
conselheira razoável. Mas, se não publico de imediato, faço centenas de
revisões. No caso do teatro, por exemplo, das peças ainda não encenadas ou
publicadas, faço revisões intermináveis. Minha peça O sim pelo não vem sofrendo
revisões freqüentes nos últimos dez anos.
Acredita que o trabalho de ator — e também de diretor — faz
de você um crítico mais cuidadoso?
Sem dúvida, saber do calvário do ator e do diretor me faz um
crítico mais cuidadoso. Mas, também e paradoxalmente, mais rigoroso. Como ator
e diretor, não me sinto confortável com a superficialidade. O mesmo vale para a
crítica.
O que é mais libertador? Expressar-se através do corpo
(atuando) ou das palavras(escrevendo)? O que cerceia mais ou menos - a
linguagem ou o corpo físico?
As palavras são mais libertadoras. Posso continuar a fazer
malabarismos com as palavras em qualquer tempo. O corpo, coitado, depois de um
certo tempo, de uma certa idade, já não responde com a devida presteza e
eficiência aos nossos apelos. As palavras, porém, vão se enriquecendo, ganhando
novos significados com o passar do tempo.
Você trabalha mais com a crônica e com a crítica. Isso
aconteceu naturalmente ou foi uma escolha?
Aconteceu naturalmente. Não foi uma escolha. De repente, lá
estava eu fazendo aquilo. Mas, devo dizer que não me considero, não quero ser
tomado como um crítico. Na verdade, escrevo sobre as minhas paixões e divido as
minhas paixões com os amigos que tenho, ou quero ter, e que eventualmente me
lêem ou me escutam.
Ser um leitor voraz fez você ter vontade de escrever? A
leitura está sempre ligada com a escrita?
Para escrever é fundamental ler. Não duvido do fato de a
leitura ser ótima fonte de inspiração e de orientação.
Algumas palavras para nós, leitores, jovens escritores e
interessados em geral?
Está em Drummond: “Penetra surdamente no reino das palavras”.
O verso, para mim, é o resumo do melhor método de interpretação e de escrita.
* Foi com enorme prazer que dei conta desta tarefa para o
Plástico Bolha. Acho que nunca tinha entrevistado meu pai formalmente, e tentei
aproveitar a oportunidade como pude. Digo isso porque, além de filha, também
sou fã apaixonada, e fico tímida, curiosa, deslumbrada... Fiquei nervosa por
não saber o que perguntar. Tive medo de que ele não gostasse das minhas
perguntas... Mas acabei por me conformar com perguntar só o que eu gostaria de
saber e nada mais. O resultado está aqui, e espero que gostem!
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