Uma mesa simples próxima da janela, quatro cadeiras, uma
garrafa vazia e outra pela metade. Cachaça barata. Praticamente um litro e meio
e não sentia efeito. Ele sentado no chão encostado na parede e a mala com os dólares,
mais de um milhão, encostada na parede oposta. Como se o encarasse.
Devolver e eximir-se da culpa ou fugir com o dinheiro? E se ao fugir for preso?
Definitivamente, ou não, estava mergulhado em dúvidas. Definitivamente por que não via saída. Mesmo que ela existisse.
Mas, bolas, o que o incitou foi o fato de que a velha disse que não tinha herdeiros. E que se sentindo cansada e próxima da morte iria doar a pequena fortuna para alguma instituição de caridade. Ouvindo isso, ele foi ao banheiro, encontrou calmantes e misturou duas drágeas em um chá que a secretária do lar, antes de terminar seu expediente e ter ido embora, tinha preparado para ela. Ela adormeceu, de roncar e babar no sofá. Por que ela confidenciou sobre a fortuna? Provavelmente por caduquice.
Oito horas depois ela já deve ter acordado e ligado para a polícia. Ou não.
Ele não sabia o que fazer por que nunca tinha roubado. Nem bala no supermercado. Nem copo no restaurante. Muito menos cinzeiro em hotel. Nem um clips em alguma empresa que tenha ido fazer uma manutenção. Ele é eletricista. Ou, enquanto não fugir, conseguir converter os dólares em reais e viver da aplicação deles na poupança, sem mexer no principal, continuaria a ser eletricista. Se não for preso, é claro.
Pensando nisso tudo, decide: Vou devolver essa mala.
Pega um táxi e vai ao endereço dela.
Ao chegar, observa um carro funerário estacionado na frente do prédio. Pensa: nesse prédio antigo, de centenas de salas e quarto e quitinetes, deve morrer um velhinho por semana.
Aperta o botão do interfone chamando a portaria, para confirmar se a velha estaria dormindo ou não. Dona Rute? O senhor é parente dela? Não, ele responde. Bom, de qualquer forma sinto muito, ela faleceu.
E agora, sente-se além de ladrão também assassino…
Mais atordoado do que antes, pega outro táxi e segue pro aeroporto.
Ao chegar num guichê pede uma passagem para qualquer cidade do Nordeste. Como qualquer? Qualquer, moça, qualquer, quero esquecer um amor no Rio parando em qualquer lugar do Nordeste, pode ser Norte também. Falou amor para despistar, evidentemente, e o olhar da moça parecia ser de compaixão.
Chegando a João Pessoa procurou um hotelzinho barato. Dorme por umas três horas. Acorda e procura uma banca de jornal, compra um jornal do Rio. Nenhuma notícia de assassinato por envenenamento. Aguardar até amanhã. Um dia. Comprar algumas roupas, ir a praia, algum bar, conhecer garotas, quem sabe uma transa? Beber e dormir.
E assim seguiu ele, até o dia seguinte.
Na manhã seguinte ressaca e medo. Descer do hotel e comprar o jornal.
Notícia: Encontrada senhora morta em Copacabana, há suspeita de envenenamento. O corpo passará por autópsia. Ela deixou testamento, segundo depoimento da doméstica, ainda não encontrado, em favor de uma entidade filantrópica, por não haver herdeiros.
Ele tremeu, mas pensou. Além de mim mesmo outra suspeita seria a secretária. Estou longe. Outro dia de esbórnia e cachaça. Para não pensar no dia seguinte.
E naturalmente o dia seguinte chega. Ressaca e receio. Banca de jornal. A notícia: “A senhora de Copacabana teve uma parada cardíaca. Os calmantes somente não causariam isso. Havia algum comprometimento cardíaco. Como não deixou herdeiros iria se procurar por testamento.”
Que demoraria a ser encontrado se existisse.
Um dia um detetive encontra o testamento. Entra em contato com a entidade. Inicia a investigação de onde estariam o milhão e mais alguns dólares. Mas a investigação se arrasta. Nosso eletricista guarda a maior parte do milhão e abre uma lojinha de conserto de eletrodomésticos. Nunca foi descoberto. E teme ter vendido a alma ao diabo.
Claudio Pereira
Devolver e eximir-se da culpa ou fugir com o dinheiro? E se ao fugir for preso?
Definitivamente, ou não, estava mergulhado em dúvidas. Definitivamente por que não via saída. Mesmo que ela existisse.
Mas, bolas, o que o incitou foi o fato de que a velha disse que não tinha herdeiros. E que se sentindo cansada e próxima da morte iria doar a pequena fortuna para alguma instituição de caridade. Ouvindo isso, ele foi ao banheiro, encontrou calmantes e misturou duas drágeas em um chá que a secretária do lar, antes de terminar seu expediente e ter ido embora, tinha preparado para ela. Ela adormeceu, de roncar e babar no sofá. Por que ela confidenciou sobre a fortuna? Provavelmente por caduquice.
Oito horas depois ela já deve ter acordado e ligado para a polícia. Ou não.
Ele não sabia o que fazer por que nunca tinha roubado. Nem bala no supermercado. Nem copo no restaurante. Muito menos cinzeiro em hotel. Nem um clips em alguma empresa que tenha ido fazer uma manutenção. Ele é eletricista. Ou, enquanto não fugir, conseguir converter os dólares em reais e viver da aplicação deles na poupança, sem mexer no principal, continuaria a ser eletricista. Se não for preso, é claro.
Pensando nisso tudo, decide: Vou devolver essa mala.
Pega um táxi e vai ao endereço dela.
Ao chegar, observa um carro funerário estacionado na frente do prédio. Pensa: nesse prédio antigo, de centenas de salas e quarto e quitinetes, deve morrer um velhinho por semana.
Aperta o botão do interfone chamando a portaria, para confirmar se a velha estaria dormindo ou não. Dona Rute? O senhor é parente dela? Não, ele responde. Bom, de qualquer forma sinto muito, ela faleceu.
E agora, sente-se além de ladrão também assassino…
Mais atordoado do que antes, pega outro táxi e segue pro aeroporto.
Ao chegar num guichê pede uma passagem para qualquer cidade do Nordeste. Como qualquer? Qualquer, moça, qualquer, quero esquecer um amor no Rio parando em qualquer lugar do Nordeste, pode ser Norte também. Falou amor para despistar, evidentemente, e o olhar da moça parecia ser de compaixão.
Chegando a João Pessoa procurou um hotelzinho barato. Dorme por umas três horas. Acorda e procura uma banca de jornal, compra um jornal do Rio. Nenhuma notícia de assassinato por envenenamento. Aguardar até amanhã. Um dia. Comprar algumas roupas, ir a praia, algum bar, conhecer garotas, quem sabe uma transa? Beber e dormir.
E assim seguiu ele, até o dia seguinte.
Na manhã seguinte ressaca e medo. Descer do hotel e comprar o jornal.
Notícia: Encontrada senhora morta em Copacabana, há suspeita de envenenamento. O corpo passará por autópsia. Ela deixou testamento, segundo depoimento da doméstica, ainda não encontrado, em favor de uma entidade filantrópica, por não haver herdeiros.
Ele tremeu, mas pensou. Além de mim mesmo outra suspeita seria a secretária. Estou longe. Outro dia de esbórnia e cachaça. Para não pensar no dia seguinte.
E naturalmente o dia seguinte chega. Ressaca e receio. Banca de jornal. A notícia: “A senhora de Copacabana teve uma parada cardíaca. Os calmantes somente não causariam isso. Havia algum comprometimento cardíaco. Como não deixou herdeiros iria se procurar por testamento.”
Que demoraria a ser encontrado se existisse.
Um dia um detetive encontra o testamento. Entra em contato com a entidade. Inicia a investigação de onde estariam o milhão e mais alguns dólares. Mas a investigação se arrasta. Nosso eletricista guarda a maior parte do milhão e abre uma lojinha de conserto de eletrodomésticos. Nunca foi descoberto. E teme ter vendido a alma ao diabo.
Claudio Pereira
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