terça-feira, 27 de outubro de 2009

Masculino raríssimo, de Carla Cavalcoliver

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Eu teria interrompido aí minha pesquisa, por um tempo, depois do recente desengano com a espécie, se a providencia não tivesse posto ao meu alcance um masculino raríssimo, cópia única um homem magistral obra do sábio da atualidade, Daniel, mestre doador, o mesmo que fez a predição de uma vida feliz. Ora, Daniel estava persuadindo de que a vida dispusera a felicidade para o desfruto imediato do homem, não apenas de seu destino pessoal, mas também do destino da humanidade.
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Segundo ele, existem dois grandes padrões, um possibilita conhecer a felicidade, a participação no aqui agora, e o espectador em declínio a morte adiando o fenômeno presente, preocupando a cada instante com o feliz, duvidoso futuro.
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Presente e futuro.
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Aos vinte e poucos anos aproximadamente, esses dois padrões do tempo causam esquizofrenia. Mas na confusão mental se produz um novo animo: a consciência renovando a possibilidade. Dani, sábio deste século avança no tempo, mantendo-se jovem, todos os momentos produzem felicidade, não tem que pensar apenas ver!
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Mergulhando em sua obra, doada generosamente, pude constatar, com o coração pulsando, que ele identificou a essência da vida de qualquer era.
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Refinando sua certeza no modo que dirige a vida. Esse ato está apontado no comportamento de sua obra. Devo confessar-lhe, que um grande arrepio de confiança sacudiu minha alma e mente.
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Veio-me a idéia há um tempo, quando questionei e agora ao encontrar o sábio deste século, pela primeira vez Daniel Sinay.
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Age como se soubesse onde está indo, embora na realidade não tenha certeza do que virá; o que importa é que ele percorre o caminho que escolheu.
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Fez-me entender como age o sábio; não se pode reclamar ou arrepender-se: a vida é um desafio constante, e os desafios não são bons ou ruins – São apenas desafios.
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Generoso me indicou como é para um sábio, a arte do desafio (arte de viver), deve ser combinada com leveza, ausência de tensão e de ambição, sendo gentil com os outros, sobretudo gentil consigo mesmo.
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Guerreiro segue com vida própria, percorrendo se alegra a intenção que o faz continuar depende apenas da alegria, não do pensamento de ambição, ou do objetivo, do desejo, ou até do medo – mas aquilo que o faz seguir adiante mesmo quando todo o mundo diz que será vencido, ou que escolheu não está certo.
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Ninguém o consegue obrigar a fazer coisas que não deseja, e assume a responsabilidade de seus atos.
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Pensa que não tem nada a perder, o medo já não consegue tirar sua energia, e ele consegue aplicá-la para viver, com a certeza que todas as ferramentas para enfrentar os desafios estão em suas mãos, também chamadas experiências trazidas pela maturidade que o permite superar educadamente.
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Além da masculinidade que me assalta, o juízo, como conseguir realizar qualquer idéia sem me envolver com tal beleza, já que a espécie falha com exatidão dia a dia, eu não resistiria tal masculinidade incontestável.
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Todos sabem tão bem quanto eu da minha afinidade pelo masculino, jaz perfeito, na figura de garoto, cuja grande impressão baseasse no interior.
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Refleti longamente sobre está questão, e a resposta me veio hoje, tão singular quanto surpreendente.
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Um meio de conhecer o sexo masculino é confrontar. Colocando-se tão próximo, tão chegado quanto o parceiro de futevôlei.
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— Quando atingi essa etapa da minha pesquisa, não pude seguir senão com apreço a classe, a tal ponto o que acabo de descobri entre tantos outros, graças à masculinidade raríssima saltando e minha admiração atenta: o sábio contemporâneo, e através dele argumentos para amar a vida e a natureza masculina.
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Carla Cavalcoliver
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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Olhares

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É notável a presença do rato em cima dos livros. Ele é grande, robusto, cinza e fedorento. O gato, oculto em sombras, observa sua presa com seus olhos vis e brilhantes. Um homem chega, puxa a cadeira e se senta diante do animal cinzento e dos livros. O roedor, assustado, foge; o predador, decepcionado, vai embora; o recém-chegado, entediado, apanha um livro e lê. Logo mais, dorme. O dia amanhece e o cão observa o galo cantar
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Bruno Papito Nascimento
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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

MODULAÇÕES DO CORPO INDISTINTO

Entrevista com a performer e coreógrafa Marcela Levi
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(foto de Claudia Garcia)
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E não somente não podemos nos pensar a nós
mesmos em termos de adjetivos, mas também os adjetivos
que nos aplicam, não podemos jamais autenticá-los:
eles nos deixam mudos; são para nós ficções críticas.
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ROLAND BARTHES
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A afirmação de Barthes, deslocada para o campo da performance, pode nos convidar a imaginar um corpo furtivo, espécie de massa em movimento que se redesenha continuamente, deslizando de sentido em sentido sem se deixar deter pela tentação classificatória. Avançando ainda com a sutileza do pensamento de Barthes, é preciso lembrar que não se trata de recusar o “mau” adjetivo para aderir às promessas de um corpo belamente engajado, que se apóia nos “bons” adjetivos e nas nobres intenções para tornar-se herege, marginal ou transgressor. A operação desviante que o corpo furtivo põe em marcha deverá ser mais árdua e mais discreta, trata-se de produzir um corpo que, ao se interrogar em cena, consegue armar-se em paradoxos, ativar suas ambiguidades sem desfazê-las por completo diante dos olhos do espectador.
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É de uma operação semelhante que se constitui o trabalho da performer e coreógrafa carioca Marcela Levi (Rio de Janeiro, 1973). Uma das linhas de força de suas performances reside precisamente no modo como consegue dar a ver os interstícios do corpo, suas fissuras e fugas de sentido, um corpo que é atravessado pela presença de objetos que o alteram, modulam, redefinem. Desde que deu início a seus projetos individuais com o trabalho Imagem (2002) Levi vem se destacando no contexto da dança e das artes por lançar mão de uma linguagem performática que tumultua a hierarquia entre corpo e objeto, incidindo sensivelmente sobre as dicotomias (dentro-fora, corpo-mente, ativo-passivo, afirmação-negação) nas quais nos apoiamos habitualmente para pensar e lidar com o corpo. O corpo, para Levi, não existe a priori, é algo a ser produzido em cena, é um lugar de passagem, de transmutação, é embrionário mas, ao mesmo tempo, tenso, crispado, rigorosamente elaborado. Permeável – mas não sem resistência - aos objetos que são utilizados em cena, o corpo é retirado de uma situação de fechamento, de totalidade e de identidade fixa. Entre um e outro circulam constelações de cansaço, demência, tensões, violência como engrenagens de intensidade emotiva em mutação. Vale a pena ainda apontar o humor singular que emerge em suas performances e que colabora para esse “desfazimento” dos limites de um corpo autárquico e autônomo, e, através do humor, surgem também possibilidades de um outro pensamento sobre o corpo contemporâneo, tensionado nesse jogo de forças entre a passividade e o excesso de estímulo (e controle), ao qual, por bem ou por mal, estamos todos submetidos.
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Antes de te colocar algumas perguntas, gostaria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória. Você começa trabalhando como intérprete em companhias de dança antes de iniciar seu trabalho solo como performer e coreógrafa independente. Como se deu essa passagem?
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Colaborei durante oito anos (1994 – 2002) com a coreógrafa Lia Rodrigues. Trabalhei na companhia como intérprete/criadora e assistente de direção. Quando realizei meu primeiro projeto, a performance Imagem, eu ainda estava na companhia. Ensaiava inúmeras vezes durante as turnês, em quartos de hotel. Algum tempo depois, deixei a companhia e comecei a investir em projetos próprios e em colaborações temporárias com artistas visuais e outros coreógrafos. Atualmente, colaboro com a coreógrafa portuguesa Vera Mantero e estou desenvolvendo um novo trabalho, um duo, que se chama Em redor do buraco tudo é beira. Portanto, não foi bem uma passagem, pois mesmo dentro da companhia eu já fazia várias coisas. Acho que desde o inicio percebi que não queria me fixar numa posição. Até pouco tempo atrás, me sentia engasgada quando alguém me perguntava sobre a minha profissão. De uns tempos pra cá prefiro alternar as respostas, algumas vezes digo que sou bailarina, outras vezes me apresento como coreógrafa ou performer ou as três coisas, dependendo da situação.
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O escritor Francis Ponge (1899 – 1988) propunha uma poesia tocada pela força de empuxo dos objetos (Le parti pris des choses). Ponge acreditava que para retirar-se da ciranda estéril do humanismo era preciso “se deixar puxar pelos objetos”. Para ele, não se tratava mais de organizar as coisas ao nosso redor para atingir uma harmonia, mas de se deixar desarranjar por elas. Há algo no seu trabalho que parece seguir um impulso semelhante, os objetos funcionando como um furo na redoma de sentidos e de práticas que tendem a delimitar os limites entre sujeito e objeto. Você chegou a criar a expressão “subjetos” para designar esse corpo transitivo, poderia falar um pouco sobre isso?
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Sim, é exatamente isso: “... se deixar puxar pelos objetos”. Quando estou trabalhando, penso em me “submeter” aos objetos e não apenas em manipulá-los, como se fossem algo sobre o qual tenho controle. Busco experimentá-los, um pouco como fazem as crianças. Gosto muito de observar as crianças se movendo, elas têm um estado de momento, ou seja, elas acessam um estado de atenção que se assemelha a certa intensidade dos animais. Diferentemente dos adultos, não estão atravessadas pelas noções de futuro ou passado, simplesmente estão lá, inteiramente instaladas no aqui e agora, assim como os animais e disso surge uma presença completamente fascinante. Acho que as crianças não “fazem coisas”, elas se misturam ao que fazem, elas são o próprio ato. Cada passo é um passo e nada além disso, cada gesto fala do gesto em si. Nunca sei se elas estão jogando com os brinquedos ou se são os brinquedos que estão jogando com elas. É esse tipo de experiência que procuro ativar no meu trabalho com os objetos, uma terceira coisa que não é mais nem o meu corpo nem o objeto em sua autonomia, mas sim um corpo/objeto/sujeito imbricado. Foi dessa prática de trabalho que surgiu a palavra “subjetos”: objetos/sujeitos deslocados e desfuncionalizados.
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Mais do que questões de gênero e de alteridade, o seu trabalho interroga posições de poder atravessadas por paradoxos. Sem deslindar para um relativismo cínico, você parece estar mais interessada em mostrar que cada nó de poder é uma massa de nuances, um núcleo que transporta divergências internas e ambiguidades. Assim também o corpo passa a ser percebido como um solo fissurado, que se dobra por suas próprias contradições, tensões, buracos. Como você situaria o seu trabalho no contexto da performance produzida atualmente? Que performers ou artistas lidam com questões que motivam ou inspiram a sua prática?
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Me interesso por obras que deixam espaço, que abrem buraco, que funcionam como um gatilho liberador de reflexões, afetos e associações. Me interesso por artistas que me põem pra trabalhar. Nessa direção, penso num trabalho-solo da coreógrafa portuguesa Vera Mantero Uma misteriosa coisa disse o e. e. cummings, nas Piezas distinguidas da performer espanhola La Ribot, no espetáculo Nom donné par l'auteur do coreógrafo francês Jérôme Bel, entre tantos outros…
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Entendendo que o seu trabalho se dá na relação entre performance e artes plásticas, e sabendo que o seu primeiro trabalho solo intitulava-se Imagem, você poderia falar um pouco sobre a ideia de imagem que surge nesse processo? Ainda uma pergunta encadeada nessa: há alguns anos atrás o artista brasileiro Tunga criou a noção de “instauração”, que foi depois retomada e utilizada por alguns críticos brasileiros. Com essa expressão, Tunga sugeria um outro tipo de relação sujeito-objeto (uma relação fugaz e transitória e, no caso da obra do próprio Tunga, também erótica) situado entre as noções de instalação e performance. Você, que inclusive já participou em performances do próprio Tunga acredita que esse conceito pode servir para uma aproximação ao seu trabalho?
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Sim, acho que sim. Construí a performance Imagem em colaboração com a fotógrafa brasileira Claudia Garcia. Pensar um corpo não capturável, que se expõe em constante reorganização, foi o nosso ponto de partida. Estávamos interessadas em pensar a imagem como algo que não afirma, que não estabiliza. Queríamos falar de uma imagem/corpo vazada e borrada de sensações. Uma imagem precisa, mas de uma precisão cheia de ambiguidades.
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Há um tipo de humor nas suas performances que transporta uma sensação de desamparo e, por isso, se distancia da lógica da ironia, pois não se trata de denunciar algo externo ao corpo que se constitui em cena. Em In-organic, quando surgem as falas, sentimos que você e sua voz também se deixam corroer e afetar pelo humor que elas desprendem. E mesmo quando seu trabalho chega a sinalizar/comentar questões de um real exterior (a banalização da morte, por exemplo), é por dentro que opera, quero dizer, você restitui a interrogação a uma situação transitiva, de algo que está acontecendo ali na cena, e não como um ato retórico que induz a uma resposta imediata. Acho que é nesse ponto que o humor se conecta com uma situação de inacabamento e deixa também o espectador num certo desamparo. Mais do que um modo de criticar o humor cria situações de crise. Você poderia falar sobre essa relação entre humor e crise no seu trabalho?
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Engraçado, sempre achei que faltava humor no meu trabalho... mas desamparo sim, percebo bem. Acho que tem relação com o fato de eu acreditar que somos seres solitários que se falam por uma aproximação que é feita de desvio. Mas vejo essa solidão com muito bons olhos, acho que é justamente essa impossibilidade de união que nos possibilita desejar e falar. Quando construí In-organic, estava interessada em falar, como você citou na sua pergunta, da banalização da morte. Mas não queria discursar sobre isso e nem apontar dedos pra ninguém. Queria uma fala-esboço, inacabada. Pensei, então, em me afundar no que eu estava falando, quero dizer, fazer daquela fala exterior algo íntimo.
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Em In-organic, há algo que parece se acentuar no seu projeto ainda em andamento: uma série de associações disjuntivas que interligam os fragmentos/momentos, sem preencher inteiramente as lacunas entre eles. Nessas lacunas, o espectador pode encontrar um certo incômodo mas também uma possibilidade de desfazer a lógica linear da sucessividade do tempo que se impõe sobre a cena. Tem-se a sensação de que há uma “edição” que, embora seja muito fina, permitiria uma permutação. Essa disjunção não é sinônimo de “falta de unidade”. Existe pra você uma necessidade de “liberação” da sintaxe temporal da cena, ou essa abertura é simplesmente um resultado do seu modo de articulação do corpo em cena?
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A minha matéria de trabalho é o corpo. Penso o corpo como uma zona estranha, ambígua e rugosa. Esse corpo faz (engendra) parte (de) uma situação específica que se desdobra num período (pré) determinado de tempo. Tento, ao articular essas situações, fazer algo que Francis Bacon disse: proporcionar emoções sem o tédio da comunicação.
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Poderia falar um pouco sobre o seu projeto atual e como ele se relaciona com seus projetos anteriores?
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Estou trabalhando em um duo que se chama Em redor do buraco tudo é beira. Nesse projeto, como nos anteriores, estou interessada no sentido não pacificado, incompleto e transitório das coisas (nas coisas que emergem por entre as coisas). Acho que Em redor... fala de falar sem dizer, de quase falar, de quase entender, de quase. Diferentemente de meus trabalhos anteriores, que se construíam num contínuo desdobrado por associações, quero dizer, uma coisa que dá na outra e por associação em outra e assim por diante, Em redor... se estrutura em pequenos fragmentos autônomos que chamamos de manifestações curtas. Estou interessada nos saltos, nos vazios, nos solavancos que essa estrutura pode engendrar. Acho que tudo isso está ligado ao tal desamparo que você apontou numa de suas perguntas anteriores. É um desamparo desejante de se deixar ir sem saber muito bem pra onde, de ser ver “ido” prazerosamente por alguma coisa. Acho que é isso, procuro também (me) provocar com os meus projetos.
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BIOGRAFIA
Marcela Levi (1973, Rio de Janeiro) é performer e coreógrafa. Formou-se pela escola de Dança Angel Vianna; foi membro da Lia Rodrigues companhia de Danças durante oito anos. Em 2002 começou a desenvolver projetos solos que se situam entre a dança contemporânea e as artes visuais. Seus trabalhos vêm sendo apresentados em festivais e centros de arte de vários países da América Latina e da Europa. Paralelamente, colabora com os coreógrafos Vera Mantero, Dani Lima, Cristina Moura, Gustavo Ciríaco e com os fotógrafos Claudia Garcia e Manuel Vason. Em 2006 recebeu a bolsa do centro de intercâmbio Le Recollets (França) e o Prêmio Klauss Vianna de Dança. Em 2007 foi contemplada com o Programa Rumos Itaú Cultural Dança. Em 2008 junto com Flavia Meireles, participou do programa Artistas en Residencia – La Casa Encendida e Universidad de Alcalá de Henares (Alcalá de Henares – Madrid). Atualmente Marcela desenvolve o projeto em redor do buraco tudo é beira, contemplado pela Fundação Nacional de Artes - Funarte - no Programa de Bolsas de Estímulo à Criação Artística, em colaboração com a bailarina Flavia Meireles e a artista visual Laura Erber.
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Veja mais Marcela Levi no YouTube:
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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Mais um haicai, por Andra Valladares

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Finda-se a noite
e a flor mostra suas joias:
gotas de orvalho.
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Andra Valladares
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Andra Valladares é advogada, poeta, cantora e compositora, residente na cidade de Vila Velha/ES. Além disso, ainda integra dois grupos de poemas minimalistas: grupo Haicai-L e MIP (Movimento Internacional Poetrix). Para conhecer mais clique aqui.
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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

domingo, 18 de outubro de 2009

Um poema de Carlos Eduardo Marcos Bonfá

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Por vezes
Contra o dedo,
Palavra.

Por vezes
Contra o dedo,
O medo.

O fino brilho negro,
Vestígio do fogo das estrelas
Que se consome
Na sujeira do grafite.

Carvão sem tento,
Que tenta em vão
Marcar o mundo,
Mesmo aberto em não.

Se a palavra chama,
Atendo em paz.
Paz de quem dorme
Com arma em punho.
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Carlos Eduardo Marcos Bonfá
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Brisa — desafio poético por Franklin Pacífico

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Assopro de inverno
na flor de maracujá.
Desgostos eternos.
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Franklin Pacífico
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terça-feira, 13 de outubro de 2009

Nightwork, um poema de Sebastião Ribeiro

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Deve-se a um erro ou a um equívoco
a distância entre tantos corpos à noite,
que hoje parece voltada em prece a algo;
porém os próprios astros já são coisas
que extasiam o que permite concentrar o
tempo na violência de algumas guitarras,
em seus sons expurgadores.
Considerável esta minha atitude descritivista
em calcular quimeras nas bocas e nos braços que
se descobrem sob a luz das boates;
a poética da sensação é um alívio sem
aqueles ritmos, que mal
pertencem aos corpos.
De que maneira experimentarei
verdade fora dos focos?
Algo em nós se apressa a discorrer
sobre o engano milenar que nos separou;
e de tudo que se escondeu nos banheiros
e becos, te sobra o instinto
carregado de cerveja e tropeço.
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Sebastião Ribeiro
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sábado, 10 de outubro de 2009

Apresentamos um novo poema de Naaman:

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da eternidade que se espera,
dos anos que correm aflitos,
a memória escondida
rejeita as cores;
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do momento que se esvai,
do instante que se perde,
a memória fatalista
exagera amores;
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e as flores que renascem
a cada primavera
instigam aquele severo
e obscuro desejo de espera
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e as dores que caem
dos olhos da fera
alteram em nada
a rota da terra.
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Décima confessional, de Leonardo Davino

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Se beija-flor te chamais
Eu, pica-flor queria ser,
Tu, minha flor, meu bebê,
Se, e assim, tu me aceitais,
Bicos engendrariam ais.
Grávido de um beija-flor,
Agravaria eu tua dor.
Mas, velô do meu desejar,
Não posso querer picar,
E só circulo tua fulô.
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Leonardo Davino
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Leonardo Davino é mestrando em Literatura Brasileira pela UERJ, com pesquisa sobre Canção e Teoria da Literatura.
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Doidivinas lança video-clipe em Botafogo

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terça-feira, 6 de outubro de 2009

Participe também do prêmio Paulo Britto!


Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia

O Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia foi criado em 2009 como parte da programação da VIII Semana de Letras da PUC, intitulada “A Língua Portuguesa”, e contempla três gêneros literários: CONTO, CRÔNICA e POESIA. Poderão participar estudantes de graduação e pós-graduação de toda a comunidade PUC-Rio.

INSCRIÇÕES

As inscrições serão realizadas até o dia 16 de outubro de 2009. Para os três gêneros (CONTO, CRÔNICA E POESIA) há duas categorias: CATEGORIA PROSA (CONTO E CRÔNICA) e CATEGORIA POESIA. Os textos devem ser inéditos em qualquer meio (impresso ou eletrônico) e escritos em língua portuguesa. O tema é livre e cada autor poderá submeter somente um texto por categoria, digitado em papel tamanho A4 e em apenas uma das faces do papel e com as seguintes características:

PROSA: Os autores deverão utilizar fonte Times New Roman tamanho 12, com espaçamento 1,5 entre as linhas e todas as margens medindo 3 cm. Os contos não poderão ultrapassar o limite de 4 (quatro) páginas.

POESIA: Os autores poderão utilizar qualquer tipo de fonte, diagramação e espaçamento, desde que o texto não ultrapasse o limite de 2000 caracteres (sem considerar os espaços em branco).
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É obrigatório o uso de pseudônimo, que deverá constar ao final do texto. Os textos inscritos nas CATEGORIAS PROSA E POESIA devem ser apresentados em 4 (quatro) vias cada. Os autores que optarem por concorrer nas duas categorias deverão fazer a sua inscrição de forma independente, em envelopes diferentes. Os textos deverão ser entregues em um envelope grande e lacrado, identificado na frente com o nome do Prêmio e a categoria (PROSA ou POESIA). Dentro deste envelope os concorrentes deverão enviar um envelope menor, também lacrado, identificado na parte externa com o título do trabalho e o pseudônimo utilizado. O envelope menor deverá conter uma folha com os seguintes dados: nome completo do autor e pseudônimo utilizado, título do trabalho, gênero literário, data de nascimento, endereço completo, e-mail e telefone para contato e uma breve nota biográfica. Não serão aceitos textos enviados por e-mail. As inscrições serão feitas somente no Departamento de Letras, no seguinte endereço:

PRÊMIO PAULO BRITTO DE LITERATURA
Rua Marquês de São Vicente, 225
Edifício Padre Leonel Franca. 3º andar.
Gávea – Rio de Janeiro

PREMIAÇÃO
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A ser divulgada
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PUBLICAÇÃO DOS TEXTOS FINALISTAS

Os textos finalistas serão publicados imediatamente no blog do Jornal Plástico Bolha e, assim que possível, no formato impresso em uma edição do Jornal Plástico Bolha. Os autores premiados com a publicação de seus textos deverão assinar um termo autorizando a publicação nos referidos blog e jornal e cedendo os direitos autorais para esta edição. Os direitos não são exclusivos e os autores ficam livres para publicar esses textos onde desejarem após a divulgação do resultado. Outros itens poderão ser acrescidos à premiação, a critério dos organizadores do Prêmio e de eventuais parceiros ou patrocinadores.

COMISSÃO JULGADORA

Os textos inscritos na categoria PROSA E POESIA serão avaliados por uma comissão formada por três professores do bacharelado em Formação de Escritor do Departamento de Letras para as duas categorias (PROSA e POESIA), e por dois alunos PET. A comissão é soberana e suas decisões são irrecorríveis, podendo inclusive decidir por não premiar os trabalhos inscritos.
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RESULTADO

Os autores finalistas nas duas categorias serão comunicados até o dia 26 de outubro para que possam confirmar sua presença no local da premiação. O resultado será divulgado no encerramento da VIII Semana de Letras, dia 29 de outubro de 2009. Na mesma ocasião, ocorrerá a entrega do prêmio.

DISPOSIÇÕES GERAIS

As inscrições implicam em plena concordância com os termos deste regulamento. Estão impedidas de concorrer pessoas diretamente envolvidas com a organização da VIII Semana de Letras e com a organização do Prêmio este ano. Os inscritos que não atenderem às especificações deste regulamento serão desclassificados. Os textos enviados não serão devolvidos.
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domingo, 4 de outubro de 2009

Um novo poema de Ana Cristina Chiara

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a gata mia em disparada
pegadas na neve
traçado (cedilha)

mia sexo
desespero fundo
minuto a minuto

conversa ouvida
sonoridade comunicativa
a esmo...

fura o papel
a quietude do quarto
a xícara onde bóia o café
o presente irritante
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Ana Chiara
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Ana Chiara é professora de literatura da UERJ e amiga do Bolha.
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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Novidade ou na falta de um poema mais intenso — por Sebastião Ribeiro

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Um homem enraizou-se aqui, todo ou as
partes plenas. Seus olhos verdes são inegáveis, a
tarde também; mas há a pressa que
esconde o medo, mal interpretando-o.
O silêncio é uma constante, parece que
esperando minha morte, desidratando meus
fatores e meu homem
de fantasia.
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Sebastião Ribeiro
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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

feministas — poema de Caio Carmacho

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seus olhos verdes pintados de preto
quase uma camuflagem de guerra
nada se enquadra ao estereótipo
se você não é a revolução dos tempos
é mais ou menos isso mesmo
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Caio Carmacho
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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Lançamento da Coleção Língua Cantada

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Por dentro — um poema de Lucas Gibson

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Sabem pouco
Esses românticos fanfarrões!
Que o amor
Mais do que em flores
Mais do que em poemas
Está,
Nas louças lavadas
De surpresinha
Pela manhã...
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Lucas Gibson
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terça-feira, 29 de setembro de 2009

A paixão clubística, texto de Gilbert Daniel

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O meu time foi campeão naquele ano, melhor, foi bicampeão, melhor, foi tricampeão, melhor ainda, foi tetra, mais que isso, penta penta! O meu time.
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Naquele ano, fomos rebaixados. Voltamos depois, naquele outro ano, e não fomos campeões. Fomos muitos mal naqueles anos seguintes mas, depois, de novo fomos vice-campeões e, melhor, finalmente de verdade fomos campeões, melhor, fomos bicampeões, melhor, fomos tricampeões, melhor ainda, tetra, mais que isso, penta penta! O meu time.
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Gilbert Daniel
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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Clássico do Plástico Bolha, por Mia Vieira

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Acalente-me a alma
Perdida de seus braços.
Use-me com flor;
Vida descartável.
Despetale-me a roupa
Bem me queira.
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Mia Vieira
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Seminário musical com celebridades na PUC!

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domingo, 27 de setembro de 2009

Viriato, um poema inédito de Raquel Naveira

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Viriato,
Rei e pastor da tribo lusitana
No confronto com Roma,
Poderosa e insana.

Viriato,
Rei que empunha a lança,
Celeste mandato
De quem busca paz,
Justiça
E conhecimento;
Herói,
Santo,
Pai da nação lusa,
Mobiliza energias
Nas batalhas do espírito.

Viriato,
Pastor que segura o cajado,
Apascenta o rebanho das estrelas,
Pronto a morrer por suas ovelhas;
Sábio,
Nômade,
Observa os astros,
Distingue os ruídos,
Escuta a chegada dos lobos,
Emissários de seu assassinato.

Viriato,
Rei e pastor,
Comandante amado,
Cantado por Camões,
Habitante do oceano,
Senhor do exército,
O teu retrato
De homem viril e nobre
Está impresso
No meu sangue português,
Na minha rebeldia ancestral,
No meu canto exato.
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Raquel Naveira
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sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Ciranda entre tangos

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Me desculpe o entusiasmo, mas não é todo dia que encontro alguém assim tão medido, cabido, perfeito; e agora já bem sei que não adianta fugir, fingir nesse verão tão repleto de fumaça e terças-feiras que você não existe nem olha pra mim.

À flor da pele, o tal fulano flautista ilustre experimenta cirandas e agudos para as tantas outras pernas que floreiam em roda, imundo o piso que gruda nos pés. Mesmo no salão cheio, estou um pouco sozinha; ensaio a cara de indiferença e já de prontidão aviso que não sei dançar: dois pra lá, dois pra cá; tem que soltar mais os ombros; segue meus passos; deixa que eu te levo. Prefiro sambar assim de longe; finge que não me toca. Desvio o olhar. Pode provocar que eu sou forte e madura e segura de si. Temos muito em comum; ele diz: “parece estranho mas, com licença, posso te beijar?”

É claro que prudente seria pedir logo um táxi, sacar a chave de casa, bater a porta do quarto de persianas, lençóis, abajur. Ligar o ar-condicionado, dormir de maquiagem, exausta, vazia e um pouco bêbada, como se nada nem ninguém pudesse ter tido a mínima ínfima chance de se aproximar um dia da minha heroica distância particular.

Em vez disso, pega meu telefone, recito afobada os oito números, repito para ter certeza, pode ser que ele ligue, quem sabe marcamos uma praia, vamos ao teatro, ao cinema, à ópera, ao raio que o parta; ou então não liga nunca mais, pediu por capricho, foi apenas solícito, estava sendo bem-educado.

Esquece, eu sou só uma trepada em potencial, sou qualquer uma, sou fácil demais. Quando precisar, me dá um toque que eu caio direitinho. Pensa que me engana? Cantarola um tango antigo; tem tristezas, nostalgias da Argentina. Ele parece tão sensível... Olha pra mim; eu pareço entusiasmada? Não, não fala. Me abraça outra vez daquele jeito. Espera, eu mal te conheço. Pensando bem, tenho sono; já são cinco da manhã: você pode me deixar na Gávea?
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Constanza De Córdova
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Fragmentos de Maria, no Planetário do Rio

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A Editora da Palavra convida para o lançamento do livro de poesia
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FRAGMENTOS DE MARIA
de Maria Dolores Wanderley
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dia 1º de outubro de 2009
no Planetário da Gávea
a partir das 19h.
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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Discutindo o Relacionamento

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alma gêmea
ou
há uma algema?
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Octávio Roggiero Neto
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Carta ao vento — de Patrícia Schwingel Dias

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Meu tempo acabou. Sinto muito lhe deixar. Mas realmente preciso partir. E, cá entre nós, você já deve estar cansada de só ter uma pessoa. Ficamos aqui a noite toda somente eu e você, e uma intrusa. Ah, como poderia eu esquecer essa noite estrelada que não dorme? Que não nos abandona, pra finalmente termos a quietude de que tanto queremos.
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Vim lhe ver pelo silêncio, mas encontrei um barulho que não me acalma a alma. Você sussurra constantemente em meus ouvidos. Sopra um vento molhado que me tira a razão. Tenta me convencer a qualquer custo de ficar.
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Você joga comigo. Você joga aos meus pés o ir e vir de suas curvas. Me seduz. Tenta me hipnotizar com sua dança, seu cheiro, com seus beijos salgados. Tenta me dar provas de que há vida nesta vastidão do nosso eu.
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Preciso confessar. Você quase me convenceu de ficar. Ficar, até ficaria, mas só se fosse aqui a vida inteira, a te olhar. Adoraria te ter pra sempre. Mas você não pertence a mim. Pertence a vida, ao mundo, aos outros homens. De resto, nada mais quero, nada mais me restou.
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E, vai, admite! Você não iria me aguentar. Afinal, não é esse o seu costume: ficar com um só. Sempre que lhe encontro, você está rodeada por belas pessoas, sorridentes, felizes. E elas fazem o que querem de você. Se aproveitam de tudo o que você tem para oferecer. E, pior é que você deixa. Gosta, até. Pede pela badalação, pelo agito, clama pra ser o centro das atenções.
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Mas, pensa que me engana? Eu conheço o que está por trás desse seu jeito manso, calmo, conciliador. Você tem seus altos e baixos, como todos nós. Fica mal humorada e joga tudo pra cima. Quebra o que vê pela frente, toma espaços que não lhe pertencem. Destrói o que tiver que destruir para impor o seu lugar no mundo.
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Eu sei que você também sabe o que é sofrer. Mesmo assim, tenta me convencer de que há ainda beleza na vida. Me mostra coisas bonitas, narra as suas conquistas, fala de suas jóias, umas tais pedras portuguesas. Conta sobre os seus inúmeros namorados, sobre as suas amigas, visitantes de quase todo o dia, companheiras na diversão e confidentes de problemas.
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Oh, problemas são tantos, que como confidente nem saberia por onde começar. E sinceramente, não vim aqui para falar. Desisto. Vim aqui para terminar o que não começou bem. Terminar talvez seja uma boa forma de recomeçar, não acha? Vou embora agora, vou para os braços da sua mãe Yemanjá. E pedir a ela que me leve ao encontro do Tânatos.
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Patrícia Schwingel Dias
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Venha abraçar a Mãe Africa amanhã, na Lapa

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Mais um, poema de Vanessa Campos Rocha

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eu mereço
tu mereces
ele merece
nós merecemos
vós mereceis
eles merecem

(o meu com calda de chocolate, por favor)
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Vanessa Campos Rocha
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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Participe da oficina de Diário — na UERJ

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Meus paralíticos sonhos desgosto de viver

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Ele estava ali na minha frente. Espumava como um cão raivoso. Corri em sua direção na esperança de me resignar. As lágrimas escorriam pelo meu rosto já molhado da sua água. Foi ali, sob o olhar do Pão de Açúcar, que eu me entreguei. Desci até o fundo e deitei-me no chão. Sem palavras, sem pensamento, apenas sentindo uma forte pressão sobre o peito. Ele me roçava inteira, me descabelava toda e me lambia as pernas. Já não havia mais roupas para cobrir meu corpo quente. Permaneci ali embaixo até meus pulmões não aguentarem mais, então, subi covardemente em busca de ar. Levei um tapa, depois outro. Chorei. Bate, bate mais seu merda! Ele me ouviu e mais um tapa levei, sendo que dessa vez bati forte com a cabeça no chão. Meus olhos enxergaram o escuro. Sem forças fui me abandonando enquanto sua água beijava o meu corpo por dentro. Sufocou-me. Eu já era sua. Senti-o me puxar pelos pés. Aos poucos foi me levando para cima e em seu colo me acolheu. Delicadamente acariciou o meu corpo nu e frio enquanto me levava para longe. Ninguém nos viu, nem o poeta de bronze se virou para se despedir. Os canhões do forte permaneceram em silêncio. Ele foi me levando. Só restou-me dizer adeus!
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Cacau Vilardo
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Conferência Municipal de Cultura no Rio

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Pão e Poesia em qualquer padaria. Participe!

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Vulcão

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andar cambaio
chama vulcanica
monstro trepidante
esbaforido e manco
cujas pernas débeis
sofrem sob o peso da dor
celeste e terrestre
demiurgo amoral
apóstolo inspirado
sopra o fogo fabricando
flechas cintilantes
as armas dos deuses
os escudos resplandecentes
o tesouro dos heróis
joias,broches e brincos
anéis,braceletes e colares
para as afrodites insanas
e as belas tábatas mortais
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Jovino Machado
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Poesia e música no corredor de Maricá

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terça-feira, 22 de setembro de 2009

Camila Justino lança novo livro em outubro!

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Camila Justino, nossa colaboradora do jornal Plástico Bolha está lançando seu terceiro (!!!) livro em outubro, na Livraria da Travessa de Ipanema. Vamos todos colocando na agenda...
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Feliz Natal, conto de Solange Valeriano Pinto

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Na verdade, esse era um fato real que quase se tornou ficção. Uma colega de turma dizia que sua avó não gostava de preto e nem de pobre e a havia proibido de aproximar-se dos bolsistas da PUC. Não obstante aos conselhos da avó, ela sempre me tratou com gentileza. Mantínhamos uma distância polida. Ela sempre comentava (quando o assunto era sobre cotas ou coisa parecida) que sua avó achava inadmissível que um pobre estivesse estudando na mesma universidade que sua neta.
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Sinceramente, nunca me senti ofendida com as palavras dela, apesar de serem bem desagradáveis. Ela fazia o tipo desagradável — e isso não era uma opinião só minha —, mas não sei por que, não sentia que ela falava aquilo por mal, para ferir a mim ou a quem quer que fosse. Ela, simplesmente, falava, e pronto... Embora com ar indiferente e displicente, estava transmitindo a opinião de sua avó.
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Eis que um dia, era fim de novembro, eu estava no ponto do Pirata, voltando para casa, quando uma das domésticas, que trabalhava na Gávea, aproximou-se de mim:
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— Oi, boa tarde.
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— Boa tarde. Tudo bem?
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— Tudo...E aí ? Vai trabalhar no Natal?
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— Não.
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— Não! Por quê? Tá sem casa?
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Sem esperar a minha resposta ela perguntou:
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— Tá a fim de fazer um bico? É aqui pertinho do seu serviço ( essa era uma das que pensavam que eu era doméstica). Mas tem que ser no Natal e no ano novo 25 e 31 . Topa?
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Fiquei pensando na minha situação financeira que estava muito ruim naquele primeiro ano na PUC.
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— Qual é o bico? Perguntei.
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— Você vai ser minha ajudante. Te pago 150 reais. Você vai lavar toda a louça, arrumar a cozinha, descascar os legumes, arrumar e servir a mesa e, de vez em quando, levar uns petiscos na piscina para os patrões e seus convidados. E aí ? Topa?
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— Tudo bem. Vou pensar...
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— Pensa, pensa, porque a parada é boa. Olha só, todo ano eu trabalho no Natal e no ano novo. É com esse dinheiro que eu compro os presentes pros meus filhos, meus netos, meus afilhados, entendeu? Se não for assim, não compro. O dinheiro do pagamento é só pra pagar contas... O triste é que a gente fica longe da família, né? Mas fazer o quê? A gente não pode ter tudo. Depois que passa as festas, eu saio distribuindo os presentes (porque ela só paga no final). Mas quando eu chego, é aquela festa. Meus filhos já até se acostumaram longe da mãe no Natal. Cresceram assim, coitados!
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— Tudo bem . Vou pensar e amanhã te dou a resposta.
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— Valeu... Olha o nosso Pirata ali. Vamos correr pra pegar lugar sentadas.
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Fui para casa pensando na proposta. Cento e cinqüenta reais! Era tudo o que eu precisava para fazer a minha ceia. Mas o preço seria alto demais. Pela primeira vez na minha vida passaria o Natal longe da minha família. As últimas palavras daquela mulher ainda faziam um eco na minha cabeça: meus filhos já até se acostumaram longe da mãe no Natal. Cresceram assim. Coitados!...
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Em casa, comentei com a família. Assim como eu, meus filhos ficaram indecisos. Ganharíamos um dinheiro,mas eu não cearia com eles. Meu marido até que não achou a idéia ruim,pois disse que seriam só dois dias. Mas o Natal, para mim, tem um significado todo especial. A família reunida sempre foi muito mais importante do que a mesa cheia de guloseimas. O Natal me recorda a minha infância. O cheiro de tinta fresca, de tecido novo, de rabanada fritando (que nós comíamos ainda quente). A árvore de Natal era um galho seco, preso a uma lata de leite em pó, que nossa mãe cobria com algodão e enfeitava com caixas de fósforos embrulhadas em papéis coloridos. Não tinha pisca — pisca, tampouco presentes ao redor. Se bem que sempre colocávamos os sapatos na janela, que dormiam e acordavam vazios, pois Papai Noel nunca encontrava o nosso endereço.
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Meu pai era bombeiro hidráulico. Quando desempregado, quase sempre vivia de bicos e trazia o pagamento já no fim da tarde. Trazia tinta (ou melhor, cal e corante — geralmente, verde) para pintar as paredes da nossa casa. Quando caía a noite, ele ainda estava dando os acabamentos externos. Minha mãe corria às lojas e comprava tecidos para fazer nossas roupas. À noite, estávamos todos de roupas novas e tomando bronca de meu pai, pois, não raro estávamos com as roupas e os braços manchados de tinta fresca e a parede marcada por um vazio de tinta, que vinha agarrado a um braço, uma perna, um cabelo, um vestido.
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Já era bem tarde quando minha mãe saía da máquina de costura direto para o fogão para preparar a ceia. Por isso, comíamos as rabanadas ainda quentes. Uma das maiores diversões era ver os distraídos, com os braços e as roupas manchadas de verde fugindo da cara feia do meu pai na hora da ceia.
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Os filhos dos vizinhos ganhavam presentes lindos e eu não conseguia entender por que o “bom velhinho” nunca deixava nada pra nós. Aos pouquinhos fomos entendendo a dinâmica da coisa. Os mais velhos já não colocavam mais o sapato na janela e, à medida que os menores iam crescendo e entendendo, faziam a mesma coisa. Creio que não crescemos magoados pela falta dos presentes, porque tínhamos uns aos outros. Tudo era motivo de risos, piadas e brincadeiras, inclusive a nossa dureza. Não tínhamos dinheiro, mas sempre passávamos os Natais juntos.
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Todas essas memórias pesaram na minha decisão. Se aceitasse o bico oferecido pela colega, teria que deixar a nossa mesa posta antes de ir trabalhar. Como se eu fosse empregada nas duas casas. Na minha e na casa da patroa da colega de ônibus. A diferença é que na casa da patroa eu ganharia para fazer a ceia e na minha eu a faria de graça. Mas, e a graça maior? A de estar com a família? Como recuperar?
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Fui cheia de dúvidas para o ponto de ônibus, mas a moça não estava lá. Não a vi mais nos próximos dias que antecederam o Natal. Deve ter perdido o meu telefone e o meu endereço. Pensei. Paciência, não tinha que ser. Chegou o Natal! Achei tudo tão maravilhoso. A ceia estava tão simples, mas passei com a família. Senti uma alegria diferente da dos outros anos, uma espécie de alívio, como se eu tivesse recuperado algo antes de perder, não sei explicar. Só sei que foi muito bom...
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Volto das férias. Estou na Rua Padre Leonel Franca, como de costume, esperando o ônibus pirata.
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— Oi colega, lembra de mim?
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— Oi. Tudo bem? Claro que lembro. Você ficou de me arrumar um bico no Natal, não é mesmo? Fiquei esperando...
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— Pois é... me desculpa... Fui à sua casa, mas no pé do morro, encontrei uma vizinha sua e perguntei onde você morava. Ela perguntou o que eu queria contigo. Falei sobre o bico e ela perguntou:
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— Quanto é?
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Falei:
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— 150 reais.
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E ela respondeu:
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— Hi , essa vizinha não vai querer isso, não. Ela não precisa. Dá pra mim aí, pô. Eu preciso mais do que ela.
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— Então fiquei sem graça e levei ela no seu lugar. Até que ela trabalhou direitinho... Da próxima vez eu te levo, falou?
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— Falou. Tá tudo bem. Só gostaria de saber como se chamava essa vizinha?
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— Peraí, deixa eu ver... Ah nem lembro mais... Foi em dezembro, já estamos em março... Hi, olha ali quem vai passando do outro lado da rua! É a neta da minha patroa... Ela estuda naquela Faculdade ali na frente — disse a mulher apontando para a PUC.
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— Na PUC?
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— É. Você não trabalha ali por perto? Balancei a cabeça, concordando. Olhei na direção em que ela apontou e deparei-me com a colega, cuja avó não gosta de pobres, pretos e bolsista. Superada a surpresa inicial, vendo a menina afastar-se sem nos ver, dei asas à minha imaginação. Então pensei:
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Se a minha vizinha indiscreta não tivesse ficado com a minha vaga (meu bico), talvez eu tivesse ido à casa da colega de turma como ajudante de cozinha. E, talvez fosse servir petiscos à beira da piscina para ela, sua família e convidados. Talvez, distraída, eu lhe dissesse, na minha displicência:
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— Olá Bia! Feliz Natal. Está curtindo as férias? — Desconcertada e muda ele enfiaria o rosto em uma revista, fingindo ignorar a minha presença e muito menos a minha pergunta. A avó, que não gosta de pobres, de pretos e de bolsistas, nos observaria com olhar atento e reprovador. e perguntaria:
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— De onde você conhece essa serviçal, Bia?
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Bia ficaria muda, sem saber o que responder à avó conservadora... E eu lhe responderia, já me afastando com a bandeja:
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— Nós nos conhecemos da faculdade. Estudamos juntas na PUC...
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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

MAELSTRÖM — pelo grupo "um só olhar"

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A Casa de Cultura Mario Quintana
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convida para a estreia
do espetáculo multimídia (cinema, literatura e música)
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MAELSTRÖM
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em homenagem ao bicentenário de nascimento de Edgar Allan Poe
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apresentado pelo grupo
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UM OLHAR SÓ
Tomaz V. Borges (cineasta)
Paulo Bacedônio (poeta)
Carlos Bica (músico)
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Sábado, 26 de Setembro de 2009, à 1:00 h (da madrugada)
Entrada Franca
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Acervo Mario Quintana – Mezzanino Casa de Cultura Mario Quintana
Rua dos Andradas, 736 – Centro
Porto Alegre – Rio Grande do Sul
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Dona Cleonice na ABL!

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O jornal Plástico Bolha entra na campanha para apoiar a candidatura de Cleonice Berardinelli, a nossa Dona Cléo, para a vaga deixada por Antonio Olinto na ABL.

Ela é super merecedora e seria um justo reconhecimento por toda uma vida de trabalho de altíssimo nível! Contamos com a colaboração dos leitores. Disparem e-mails, façam campanha...
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domingo, 20 de setembro de 2009

Evento "arte em andamento": amanhã, no Rio

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Desengano

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—Alô, amor ?
—Não,
foi engano.
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Saulo Pereira Guimarães
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sábado, 19 de setembro de 2009

Amanhecendo, poema de Franklin Pacifico

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Adormece o escuro e renovadas
ressoam tristes notas graves, justas,
do noturno, através da madrugada.
Abre caminho pelos ares, turva.

Liberta o corpo, galhos e também
as folhas, até a copa dos pinheiros,
até sumir, fugir, para o além.
Risca célere o céu, faz um espelho.

Transfigura o olimpo de cinzento
num laranja longínquo que não esqueça
o reverter sem fim de uma ampulheta.

Canta do leste, aurora, sua vinda.
Nada embaraça teus caminhos, luz.
Canta, aurora brilhosa, vem, belíssima.
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Franklin Pacifico
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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

canseira, um texto de Vanessa Campos Rocha

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acerta aqui, ajeita lá, assopra, acende, risca, devolve moço, pede, suplica, machuca os joelhos, vivo! morto! brinda (quantas vezes?), corre, respira, para de respirar, parou? não? chora, reza, planta, pede e pede de novo mas duvida que alguém escute, limpa, joga, atravessa, arranca, é no peito que dói? hum-hum, fala de novo, chove douradinho e ah esquece, é na alma.
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Vanessa Campos Rocha
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Inocentes do Leblon II

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"...tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas e esquecem."
(Carlos Drummond de Andrade)

Não vimos o DOPS e, quando nascemos, a cozinha já era de inox.
Desconhecemos Byron, Sartre, Dylan e Baudelaire,
Nem em placa de salão entendemos Hair.

Foi proibido proibir, mas, logo liberaram de novo.
Fizeram Revoluções contra e em favor do povo,
Ah, e descobriram: quem veio antes, pobre galinha, foi o ovo.

Nós, que viemos depois até do pós,
Não esperamos pela anistia nem por Quércia.
A rebeldia da nossa juventude é a inércia.
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Rodrigo Siqueira Ribeiro
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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O ataque do homem-ético, de Fabiano Baião

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Ao descortinar a janela do quarto, reparo as luzes acesas da cidade, pessoas indo e vindo de todas as direções. Desnorteados que vagam por labirintos sem encontrar a saída. Eu penso, mas não queria pensar! Encontro-me em estado de vacuidade, uma descrença que me sufoca, quando penso nas vezes que me ponho a filosofar em mesas de discussões com mentes não libertas, mas infelizmente não aprendo. O assunto não poderia ser outro: ética, tema impróprio para esse país de pilastras ocas - é a mesma coisa que remar contra um tsunami.
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Em minhas reflexões, apoiado nesta janela, vendo tudo passar, mas que em mim não passam, me encontro, me defino finalmente, e concluo que sou um extremista, um radical doido, desvairado que acredita piamente que se matar muitos outros, entrarei no paraíso-ético. Mas diferentemente de outros desatinados pelo mundo, não tenho líderes, não pertenço a grupo algum, não tenho um código de direção a me transmutar a realidade e não espero um paraíso sobrenatural.
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Divido minha tarefa em três: o trabalho mental, a organização de todos os instrumentos, com a escolha do local do ato, e a realização do fato. Meu trabalho metal é minha conclusão psicológica, se o que irei fazer é o que realmente quero, mas doido que sou, não concluo nada e me lembro num lampejo que estou alucinado, alienado e então não penso mais em nada, e pulo esta parte estúpida.
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Vou para minha organização instrumental, que seria a aquisição de todos os equipamentos para meu objetivo extremista. Radical e desequilibrado, anoto tudo num papel: uma dinamite de seriedade e outra de amor, uma dinamite de tolerância e mais uma de honestidade, uma granada de sinceridade e mais uma de ética, um detonador, uma semente de educação. Definida toda parafernália para o ato terrorista, faltavam as compras e a escolha do local de minha glória. O lugar deveria ser onde houvesse seres que não são radicais, mas seria impossível, então, resolvi escolher a capital do país, Brasília para que de lá essa explosão propaga-se até atingir todas as regiões do Brasil.
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Depois de tudo definido, finalmente realizaria o ato. Mas não poderia partir sem antes despedir dos meus pais, pessoas que mais amo e que ficarão orgulhosos desse ato.“Olha, amo vocês, mas meu discernimento mental está por completo desequilibrado, dizem tanto, que comecei a achar realmente que sou radical, extremista e tal, então, já que sou tão anormal, faço esse ato brutal”. Saio então, de Belo Horizonte em um ônibus numa manhã de sexta-feira rumo à capital brasileira. Na praça dos três poderes, abro meus braços para o horizonte, fecho os olhos para ao abri-los novamente, me encontrar no paraíso-ético, mas antes, com todos aqueles equipamentos impregnados em meu corpo, que ao apertar de um botão, o explodir de um milhão.
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A honestidade varre o palácio do planalto, o congresso nacional, o palácio da justiça, o jeitinho brasileiro do povo, vindo por trás à ética, efetivando em todos, sua monstruosa praga, que é hereditária. O que não estava a olho nu nesta explosão é que uma semente de educação voou do meu bolso com toda aquela pressão, penetrando pelo chão, o que seria de fato as bases para nossa evolução.
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Fabiano Mafia Baião
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sábado, 12 de setembro de 2009

Corujão da Poesia na livraria DiVersos

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Em Flor — um poema de Pedro Braga Soares

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Perpetro da tua pele uma simbologia de pétala
— nada me impede
de tatuar-te de palavras.
Sopro feito arrepio aspergido sobre teu vasto,
desabrochada de intenção, arrependida, de repente.
Visto o disfarce do impossível, porque tudo pode ser,
e podemos: seja.
Rascunho das tuas veias uma linguagem intuída de decifrar-te nua
e aguço-te o tato com o toque intermitente de sussurros.
Insinuo pecados como formas de redenção,
consinto render, deploro o perdão.
Insista no erro porque a justiça é uma forma arbitrária
de compensação do desejo; nunca me sinta reparado.
Note que os absurdos vêm à tona conforme os olhos vêem
Cale a veêmencia dos contrários como quem silencia uma criança
E deixe-se devoluta, mas se faça perder por um propósito.
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Pedro Braga Soares
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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Negra Loura

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Desceu em Belford Roxo
de um ônibus que vinha de Vilar dos Telles.
Sua pele era de feijoada
mas seu cabelo era puro trigo.
Sua pele era de noite
mas o seu cabelo era o horizonte de tardinha.
Falsa britânica.
Nórdica preta.
Africana de cabelo pintado entre o castanho e o dourado.
Zulu disfarçada de branca.
Entrou na padaria
pediu um refrigerante
e cruzou suas grossas coxas
debaixo de um curtíssimo jeans rasgado.
A rapaziada toda olhou e babou
ela toda no pensamento
imaginando estar no século retrasado
e possuir aquele território à revelia
que parecia ter saído de uma letra
de Benjor ou Melodia.
Bebeu tudo numa só golada
pagando a conta.
Saiu não só levando
o louro e duro cabelo entrançado
acima do sorriso amarelo
mas também o olhar de todos nós
entre aquele busto
que eram dois maduros jamelões gigantes
embaixo daquele vermelho sutiã.
Sumiu entre pagodeiros e funkeiros
entre credores e devedores
entre viajantes e farofeiros
entre pequenos empresários e vendedores.
Ela saiu do nada
e foi com tudo para qualquer lugar
tomando seu sorvete demais
deixando em sua língua
que nos banhava em sonho
o sabor daquele morno verão.
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Marcio Rufino
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Na batucada da vida: Carmen Miranda na ABL

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LINA POR ESCRITO — Lançamento no Rio

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sábado, 5 de setembro de 2009

Praia de Fora, um poema de Carlos Morgado

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Dentro de meu quarto arredio
escuto o mar vindo de uma Avenida Suburbana.
Real, de uma realidade extrema, posso ouvir
as ondas quebrarem entrecortadas pelos comboios-
e sentir quase que a branca espuma beija-me os pés
por entre cortinas de fumaça.

Não sejamos mais que o rio das coisas,
nem nos preocupemos com quem somos ou sonhamos em ser.
apenas sejamos, como o verde das árvores
ou o cinza concreto desta praia,
somente assim,
simples e absurdo.
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Carlos Morgado
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Arte em Andamento — Evento aberto no Rio

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Lançamento: Pastores de Virgílio, em SP

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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

RJ CONTINUA LINDO — de Gabriel Pardal

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O cristo redentor está cansado.
De braços abertos.
Numa mão o revólver apontando pra Zona Norte
e na outra apontando pra Zona Oeste.
Sorte daqueles
que sentem-se cariocas
quando tem no horizonte o Corcovado.

Já no interior da cidade do Rio de Janeiro,
onde não dá vista pra onda,
nem chega brisa nem maresia,
nem a luminosa decoração de natal da lagoa,
o cartão postal é a foto de uma corda
amarrada numa árvore,
que à título de turismo
deram o nome de Forca.
É ali que esses cariocas sabem-se no Rio.

Em outros mais profundos interiores,
onde nem se acha mais árvore para uma corda amarrar.
Apenas barro e poeira e homem,
ainda Rio de Janeiro,
sabem-se cariocas quando olham para um prego.
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Gabriel Pardal
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terça-feira, 1 de setembro de 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

Aneurisma Matou Berimbau na Bienal do Rio

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Nosso amigo Luciano Prado da Silva, que já publicou contos no Blog do bolha e será destaque da próxima edição do PB impresso, convida a todos para o lançamento do seu livro Aneurisma Matou Berimbau que acontecerá na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Quem já leu algum de seus contos sabe que é imperdível. Todos lá!
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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sapatos, um texto de Maria Cecilia Brandi

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Passar o dia com sapatos apertados, como se os pés fossem gêmeos no ventre por dez meses. Como se apertassem nervos, movimentos, e a boca de um mudo gritasse pelos pés desbocados.

Andar em desequilíbrio quando estão frouxos: poder ficar na mão, pisar em ovos - talvez contra o risco de cambalear.

Arrancar a sola, não pisar em falso. Da sola sem sola, escavar com estilete os restos de cola que grudam no chão e tiram o impulso. Buscar outra base. Cobertura. Fecho.
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Maria Cecilia Brandi
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terça-feira, 25 de agosto de 2009

sábado, 22 de agosto de 2009

Fustigado pelas sombras do dia

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Não sei onde tudo me acaba
Se parto, se fico
Agora não faz mais sentido
Eu não sei onde me acho
O que cabe a mim do céu
É o teu pedaço
O pedaço de ti, não dele
O que cabe da terra, é vagar insossa
Olhando tudo
Com olhar de bêbada
Tomando cuidado de não esbarrar em nada
Teu segredo
Não mais oculto
Mas continua guardado no meu peito
O teu gosto,
Nunca tive o suficiente (ainda bem, não deixaria nada de ti)
Ainda alimenta o meu desejo
Deixa a boca cheia d’água
Os olhos também
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Carolina Neves da Cruz
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