Sempre gostei de fingir que escrevia poemas. Na verdade só
havia um caderno com rabiscos da adolescência. Nada demais! A adolescência nos
traz bons questionamentos, mas não é nada demais. Nem completo estava quando,
num dia de fúria ignorante, foi para o fogo junto outros objetos dispensáveis
da casa, que passava por uma mudança. Um dia depois eu me achei dispensável.
Porém, não havia nenhum pensamento de atear fogo ao próprio corpo. A gente se
conserva, não é mesmo? Alguns anos depois, ouvi num filme de Woody Allen sobre
um velho espanhol que nunca publicava seus poemas, alegando que o mundo não
merecia a sua arte, sobre sua desilusão com a humanidade etc. Nunca concordei,
mas sempre me pareceu uma boa justificativa. Ri bastante quando o ouvi dizendo!
Quem sabe um dia eu escreva poemas decentes?! Quem escreve se arrisca: a sorrir
de si mesmo; galantear; ludibriar; inspirar; perder o fôlego ou a fé; receber
um beijo ou um soco... Aquele velho, até onde sei, compreendia o valor das artes
e do amor, no entanto, aparentou um humor mórbido. O que estaria fazendo ali,
isolando-se entre seus poemas e quadros? Ele também tinha um belo sorriso. O
que conclui, afinal, depois do filme: maldito o dia [aquele] em que o caderno
virou cinzas. Maldito o dia que ouvi sobre aquele velho. Aquela era a minha
arte. Pobre em imaginação e valor, mas, pelo menos, minha. Pensando bem... o
velho também reprovaria o meu ato.
Jhobert Abreu
Jhobert Abreu é leitor-colaborador de Paço do Lumiar, São Luís, Maranhão.
Um comentário:
Fico grato pela postagem. Este é um pequeno rabisco que fiz em 2011. Tenho acompanhado o espaço do Plástico Bolha e apresentado a amigos. Mais uma vez, parabéns pelo trabalho que fazem.
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