segunda-feira, 28 de abril de 2014

O caderno de poemas e o velho espanhol


Sempre gostei de fingir que escrevia poemas. Na verdade só havia um caderno com rabiscos da adolescência. Nada demais! A adolescência nos traz bons questionamentos, mas não é nada demais. Nem completo estava quando, num dia de fúria ignorante, foi para o fogo junto outros objetos dispensáveis da casa, que passava por uma mudança. Um dia depois eu me achei dispensável. Porém, não havia nenhum pensamento de atear fogo ao próprio corpo. A gente se conserva, não é mesmo? Alguns anos depois, ouvi num filme de Woody Allen sobre um velho espanhol que nunca publicava seus poemas, alegando que o mundo não merecia a sua arte, sobre sua desilusão com a humanidade etc. Nunca concordei, mas sempre me pareceu uma boa justificativa. Ri bastante quando o ouvi dizendo! Quem sabe um dia eu escreva poemas decentes?! Quem escreve se arrisca: a sorrir de si mesmo; galantear; ludibriar; inspirar; perder o fôlego ou a fé; receber um beijo ou um soco... Aquele velho, até onde sei, compreendia o valor das artes e do amor, no entanto, aparentou um humor mórbido. O que estaria fazendo ali, isolando-se entre seus poemas e quadros? Ele também tinha um belo sorriso. O que conclui, afinal, depois do filme: maldito o dia [aquele] em que o caderno virou cinzas. Maldito o dia que ouvi sobre aquele velho. Aquela era a minha arte. Pobre em imaginação e valor, mas, pelo menos, minha. Pensando bem... o velho também reprovaria o meu ato.

Jhobert Abreu


Jhobert Abreu é leitor-colaborador de Paço do Lumiar, São Luís, Maranhão. 

Um comentário:

Jhobert Abreu disse...

Fico grato pela postagem. Este é um pequeno rabisco que fiz em 2011. Tenho acompanhado o espaço do Plástico Bolha e apresentado a amigos. Mais uma vez, parabéns pelo trabalho que fazem.