Estava em um parque, praça ou trilha; um pedaço da cidade
que respondia por “arborizado”. Estava lá entre as árvores, os esquilos e as
pessoas e seus tênis de corrida, a cadeira. Uma cadeira giratória de
escritório, desamparada, como a poltrona patriarcal na casa da viúva. A criança
em mim quis sentar nela e rodar; rodar e rodar, pela graça de ficar tonta: era
o barato da época. Mas eu tranquei essa criança há muito tempo, apesar da
gaiola aberta tatuada na nuca.
A cadeira tinha o estofado do encosto à mostra, talvez a
fratura exposta que a inutilizou. Mas porque o traslado do cubículo para a sombra
do salgueiro? Me senti como a cadeira. E não podendo sentar nela – por uma lei
da Vida Adulta – sentei no banco de madeira, onde os homens e os pombos
esperavam que eu sentasse. Os pombos eu alimentei com migalhas do meu lanche;
os homens se alimentaram de mim esmigalhando certezas, as que já tive um dia.
Como era bom ter certezas, mesmo as inúteis como saber quais monossílabos
tônicos são acentuados. O cu não é acentuado, ainda assim, recebe o assento,
mesmo que seja uma cadeira abandonada na praça.
Aquela cadeira acentuava-se entre as árvores. Era como um
agudo desgarrado, que se perdeu de “escritorio". Começou a chover. As
migalhas que jaziam no chão murcharam. A blusa colou em mim: o primeiro abraço
que recebi hoje. Tive que me afastar da cadeira, não poderia levá-la comigo apesar
das rodinhas sugerirem fácil transporte.
Foi ao me levantar que vi, num último vislumbre para a
cadeira, uma criança sentada nela, enquanto outra a empurrava. A chuva também
não as assustava. E o mais terrível: elas riam, e alto. Sem medo de incomodar,
sem medo da gripe, do tétano na mola velha do assento, do tombo no chão de
terra e pedrinhas. Para as duas crianças, apenas certezas.
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