"No segundo dia no barco as pessoas já começam a pirar. Ouço a palavra de Jesus constantemente ao redor, no meio da noite mala revistada por roubo de celular e até eu começo a julgar e lidar com dores de cabeça. A mulher gorda da rede em frente grita pela mamãe o tempo inteiro, está de ressaca do porre que tomou e nem levanta da rede, jogando seu show do milhão versão celular. As crianças também estão mais quietas. Fizeram um labirinto com peças de dominó por onde passam seus carrinhos, deitadas no chão. A música não está tão alta, mas silêncio aqui não existe.
Estou cansada. Manoel de Barros é abuso de beleza, a paisagem se tornou repetitiva e até espio um número lá atrás para andar com meu sudoku. O que resta de bom é ir pra frente do barco, onde o tecnobrega forró universitário, que já até sei cantar, não chega. O vento traz um suspiro fresco da mata.
Sento no chão, no cantinho onde dois enormes benjamins carregam dez celulares ao mesmo tempo. Caetano me acalma e depois Milton me salvará. Os semi-conhecidos cruzam pelo barco, trocamos olhares e sorrisos. Já somos quase íntimos. Milton tem muito a ver com isso aqui, evocando as florestas, os rios e os peixes.
Olho pros que ainda restaram no barco. Os que vão ficar e os que também vão descer. Me despeço com alegria no coração de cada rosto visto, cada história ouvida. Minha aventura continua e também a deles. Só o destino para fazer cruzar mais uma vez. Santarém está à vista. Uma última conversa com um vizinho de rede. Um brutamontes de luzes loiras e rede xadrez verde limão. Fala tão rápido que não entendo quase nada. Ele levanta carros por 50 reais.
Depois daí veio a Casa Azul, pra nunca mais sairmos"
Luísa Pollo
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