1. Faz o sinal para o ônibus que sempre pega.
2. Sobe, paga, senta.
3. Fecha os olhos. Não abre até sentir que o destino
chegou.
1. No metrô, o chão tem rotas traçadas para cegos.
Encontra uma reta, numa hora deserta.
Fecha os olhos.
2. Segue o caminho até a curva, faz a curva, tenta subir
a escada sem ver.
3. Segura na memória o tato do túnel todo, comprido,
liso, o medo daquela vala.
1. Encontra um muro comprido, uma grade, um corrimão bem
longo no caminho.
2. Fecha os olhos e tateia até o fim.
3. Ouve música, canta, toca um instrumento. O tempo não é
distância, é ritmo.
1. Dançando, olha no fundo dos olhos do par e conduz.
Depois se deixa conduzir. Cuidado para não cair.
2. Alinha a respiração à do par. Agora sincopa: quando um
inspira, o outro expira, por muito tempo. Difícil.
1. No banho, põe óculos de natação, e abre os olhos no
chuveiro.
2. No mar, afunda até a linha d'água sumir. É céu em
todas as direções. Não tem fundo.
1. Lembra que a praia está detrás destes prédios. Depois
tem o horizonte. Para todos os lados é assim.
2. Lembra que tem um quarto igual a este aqui em cima. E
outro. E outro. Depois tem a chuva caindo e aí o céu pra sempre.
3. Lembra que as pessoas estão todas nuas por debaixo da
roupa.
1. No espelho, tapa um olho e se vira de perfil. Com o
outro se espia dormindo (salvo os caolhos).
2. Tapa seu rosto com um espelho, para quem está
conversando encontrar os próprios olhos. Reveza.
1. De bicicleta, vira o retrovisor para si e fixa os
próprios olhos.
2. Agora olha só para o alto.
1. Andar na rua de costas. A testar.
Não se assusta com o que começa a ver. Postes mudam de
lugar, ônibus rugem e pessoas são pássaros que riem, bípedes de sangue quente.
André Aranha
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