sexta-feira, 15 de agosto de 2014

janelas


janelas são objetos que me atraem e acabo por fazer associações: janela e cinema, janela e fotografia, janela e televisão, janela e rua. eu gosto de entrar no ônibus e sentar na parte de trás pra ver todo o corredor, mas melhor ainda é a ultima janela do lado oposto ao motorista - é sala de cinema em movimento. centésimos de segundo, as pessoas ficam mais bonitas vistas de relance, sem reconhecer os fatos e organizar as formas. vejo as coisas passando e fico querendo passar com elas. chovia e o transito estava mais denso que o comum na cidade. eu estava sentada na ultima janela do lado oposto, como prefiro, mas a chuva não deixava a abrir. desenhei um quadrado com o embaçado e aquele era o filme passando na minha frente, em dupla exposição. na verdade eu já começava a me aborrecer com o transito quando você me baixou das nuvens – foi a melhor cena do filme que nunca vi. não sou supersticiosa e não acredito em amores a primeira vista, mas aquele quadro ploungée da janela respingada do ônibus era o teu melhor retrato. o ônibus parecia imóvel em meio a todos os outros carros. quis descer e ficar na sua altura. te ver dormir, sem te despertar. nessas horas queria ser touro e não câncer, pra não ter que me rasgar mais. essa aparição instantânea que existiu um só instante foi o suficiente para você nem olhar pra mim até que o sinal abrisse de novo, sem nem ainda, sem nem ao menos...

Mariana Lenzi


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