Acordei toda encolhida, como se
as partes do corpo quisessem virar uma coisa só. Apertei forte a barriga
querendo abortar essa paixão. Em vão. Ainda era noite, procurei o copo d'água
no criado mudo e não achei. Estava toda seca e toda molhada ao mesmo tempo. Com
sedes. Tateando no escuro achei o celular. Respondi a mensagem dramática da
noite anterior: Estou apaixonada, foda-se o teu medo. Quis apagar enquanto
carregava, mas logo apareceu o sinal de enviado. Me senti uma grande burra,
enfiei a cara no travesseiro, gritei, apertei e mordi. Como a gente pode querer
tanto alguém que te faz perder a fome por um minuto? Eu lia e relia aquela
merda de mensagem. Tinha raiva dele, e tinha raiva de mim. Ele não tem culpa de
existir, e eu não tenho culpa de sentir, e vice-versa. Pensei em mandar outra
dizendo que estava bêbada, e pedindo desculpa, pra em seguida ter certeza que
jamais faria isso. Meus dedos roçavam nas teclas do Motorola antigo. Eu ficava
escrevendo o pequeno nome dele na tela, pensando no que digitar. Lembrei de um
dia, depois que a gente já tinha se conhecido, ficado e transado, numa rua aqui
perto de casa. Estávamos dentro de uma loja de espelhos, nos víamos
multiplicados em umas 40 imagens. Eu parei de escutar o som da furadeira que
vinha da rua, enquanto fazia carinho no lado direito do seu rosto. Meu olho
entrou no dele e se perdeu, e desde então parece que ficou por lá. Ele pegou no
chão um pequeno pedaço de espelho quebrado e me deu. Escreveu atrás: o teu
olhar. E eu voltei olhando os meus olhos em cada ponto que ônibus parava, e
lembrava dos olhos dele. São calmos. Já não queria mais abortar e agora queria
parir. Mandei a mensagem: só queria gritar mas não tinha ninguém em casa, Estou
apaixonada,e não quero nada a mais que isso. E dormi novamente, aliviada como
se tivesse gritado isso pela janela. Nas paredes da minha cabeça ecoavam as
vozes de Gal e Bethânia. Livre para amar, livre para amar, livre para amar.
Carlos Meijueiro
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