sábado, 11 de abril de 2009

Curva de rio sujo, de Joca Reiners Terron

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“Eu escrevo para esquecer”, assim Joca Reiners Terron começa a escrever o prefácio de seu livro de contos Curva de rio sujo, com uma falsa carta ao leitor, que, cheio de expectativas, responde do outro lado: “Eu leio para lembrar”. E inicia-se o jogo da leitura, com um leitor impaciente em busca de um autor, de um sentido, de um todo em um mundo literário e opaco, terrível, quase impossível porque construído nos meandros da linguagem e talvez — para quem quiser se aventurar — da imaginação.

Os contos de Terron traem o leitor, justamente como aquela mulher da nossa vida que vivemos conhecendo, porque sempre rompem com as expectativas. Eles se aproximam e se afastam, beijam, fazem beicinho, reclamam, assustam, deprimem, viajam e até ensaiam um orgasmo — como na narrativa poética “Inverno à sombra de uma asa”.

E o leitor os acompanha, brinca, joga e se apaixona por algo que não existe. “O pior cego é o que quer ver”, disse Guimarães Rosa, Samuel Beckett ou Nelson Rodrigues. E, querendo ver o que não está lá, ele começa a enxergar a si mesmo. Dessa forma, qualquer leitor consegue chegar à resposta de uma questão que sempre me inquietou: como algo que não existe pode incomodar tanto?

Hoje eu responderia que o irrepresentativo acaba causando um retorno e uma nova compreensão da realidade; que a pobreza da completa falta de sentido só pode ser compensada por um sentido absoluto, como se os dois extremos — Deus e o nada — de repente se tocassem. Poucas experiências são tão religiosas quanto a morte de Deus e a leitura do livro de Terron acaba funcionando como uma terapia de choque do real, como uma maneira de conhecer a luz através das trevas, como tomar um banho em uma curva de rio sujo.

Por isso, neste livro Terron é um autor literariamente impecável e, por esses e outros atributos, seus contos merecem ser lidos — e lembrados.
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Joca Reiners Terron nasceu em 1968, em Cuiabá (MT). Escritor, designer gráfico e editor, estreou na literatura em 1998 com Eletroencefalodrama, livro de poemas que também marcou a criação de sua editora, Ciência do Acidente. Publicou os romances Não há nada lá (2001) e Hotel Hell (2003), além dos poemas de Animal anônimo (2002) e as narrativas de Curva de rio sujo (2003), editado no Brasil e em Portugal, e de Sonho interrompido por Guilhotina (2006). Seus textos já foram publicados na Itália, nos Estados Unidos, na Argentina e no México. Ele é um dos destaques da próxima edição do jornal Plástico Bolha com o conto O último vagão some, os trilhos e a música.

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