terça-feira, 12 de abril de 2011

Excertos da imaginação

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I. A pequena criatura dança, como se houvesse palco. Ela crê. Então na plateia estão seus parentes e amigos, apreciando seus belos movimentos. Rodopia. É como se em seus pés estivessem as sapatilhas de cetim e gesso que erguem os seus gestos. Contudo, são apenas osso, pele e ligamentos as suas estruturas. Mas ela crê. E, terminando mais uma pirueta, ela dobra ligeiramente uma das pernas e curva todo o seu corpo — ela está agradecendo aplausos, flores jogadas sobre o palco e holofotes a ela direcionados. Assim se fecham as cortinas e a noite acaba. E é como se houvesse palco.

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II. Não há dúvida de que aquela antiga canção foi ouvida. Era a ladainha das senhoras que vinham da igreja. No entanto, a rua está vazia e se faz noite. Não houve missa na paróquia próxima. Um padre faleceu. A cidade está parada e sem expectativas. Apenas uma pessoa resiste à janela — e ela não tem dúvida de que aquela antiga canção foi ouvida. As notas soaram, as vozes chiaram e o painel com bocas e corpos se ergueu diante de seus olhos. Ladainha e senhoras, tudo junto, bem à frente. Ninguém poderia negar. Ninguém estava para perceber. Logo, não há dúvida e há apenas um lado que resiste pela razão: ouviu-se a canção, sim. Cantaram, sim. Em algum lugar; e ela aconteceu, não foi trazida pelo vento.

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III. Quando ele aponta para o céu — reclamo. “Vai nascer na ponta do dedo uma verruga”, porque estrelas se vingam. E ele olha como criança que é, retraindo as mãos, apagando os dedos. Dividimos as noites entre as histórias que um dia me contaram. quando passa um cometa ao longe — aceito. “O seu pedido será realizado e você será feliz”, porque jamais no tempo presente; tudo não passa de sussurro de imaginação. Um dia ele vai crescer e se tornar homem e eu quero estar lá para isso. Quando ele contornar as minhas palavras — reafirmo. Será verdade porque o tempo torna a sabedoria em experiência adquirida.
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Bruna Maria
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Bruna Maria é carioca e mestranda em Literatura Portuguesa. Enquanto não publica seu primeiro romance (selecionado em 2010 pela Fundação Biblioteca Nacional para receber amparo do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa durante o término de sua escritura), bloga em: http://blog.brunamaria.com.
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