terça-feira, 23 de junho de 2009

O nascimento de Vênus, de Tânia Tiburzio

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Manhã de domingo, calor. Um leve incomodo no ventre. A noite havia sido agitada: sonhos e pesadelos, medo e excitação.
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Ela se levanta, uma estranha sensação percorre seu corpo, se olha no espelho demoradamente e meticulosamente. Apalpa seu corpo. Os pequenos seios se insinuam pela camisola fina. Os cabelos curtos mostram a curva do pescoço.
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Olha-se no espelho mais uma vez e se descobre bonita. Sorri.
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Os olhos faíscam, o ventre dói e ali no espelho, não mais se vê, é outra. Outras mãos, outros pés, outro ser.
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Vê-se mulher e o corpo se contrai bruscamente. Se contorce com a dor mas sorri e compreende que naquele instante morre uma e nasce outra.
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Morre a menina e nasce a mulher no sangue quente que escorre por suas pernas.
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Tânia Tiburzio
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domingo, 21 de junho de 2009

Retrato de uma Infanta, de Raquel Naveira

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Este é o retrato de uma princesa,
Uma infanta,
Que jamais foi rainha
Mas que guarda
Na palidez da face
Uma tristeza oculta,
Um sofrimento
Que a torna imortal
E santa.
O retrato da princesa,
Pequena infanta
Vestida de negro,
Diz que ela nunca se casou,
Que sucumbiu
No auge da vida
A uma febre,
A uma chama
Que a consumiu
E fechou-lhe a garganta.
O retrato da princesa,
Pobre infanta,
Mostra um corpo frágil,
Uma cabeça erguida,
Uma testa ampla,
Gerada por príncipes,
Talvez das Astúrias,
Há no seu olhar
Um fascínio que encanta.
No retrato da princesa,
Um espelho ao fundo
Devora a sua imagem,
O seu sonho de infanta.
Seria ela Margarida?
Amélia?
Maria?
Teria sido solitária,
Exilada,
Sem reino,
Sem destino,
Decapitada?
O que há nesse retrato
Que tanto me espanta?
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Raquel Naveira
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quarta-feira, 17 de junho de 2009

Uma escrivaninha “abandonada” no museu de Guimarães Rosa, por Fabiano Mafia Baião

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Num domingo do mês de abril, quando estava em Codisburgo, na casa de um grande amigo, fui ao museu de Guimarães Rosa. Acompanhava o Rodolfo e a Ruth, sendo que o primeiro fora até este para pegar sua bolsa, e assim, retornarmos à Belo Horizonte.

Na porta do museu, que é assentado na casa onde o escritor quando menino morou, postei-me a observar sua estrutura física de uma época já antiga, e que remetia aos olhos os tempos de meus avôs e das “molecagens” de Guimarães.

As portas e janelas de madeira, as hastes na parede que traziam luz, o conjunto em si embelezavam a mente na percepção da beldade vetusta, isso, me deixou com um ar de inveja, por só agora ter estado ali.

Já no interior, aproveitei para vasculhar um pouco sobre a vida do autor. Contemplei fotografias antigas na parede, em seu quarto, a cadeira de balanço que embalava sua imaginação, a cama onde muitos sonhos repousaram e na mesinha que avistei ao lado, as gravatas que o engomavam, no outro canto, o armário onde seus ternos descansavam.

Mas coleando pelos cômodos, cheguei até uma salinha onde havia uma mesa, toda de madeira, grande e de extrema lindeza, na parede só pude observar um quadro que expunha o certificado da Academia de Letras do escritor, e a data a qual este virou “imortal”, 16 de novembro (lembro-me bem desta pelo fato de se tratar do meu dia de anos). No mais, nada prendia meus olhos, pois o ar de mistério daquela escrivaninha planava por quatro paredes, e vestígios de ocultação me chamavam à atenção.

Pus-me a rodear aquela mesa, objeto que pertencia a sua biblioteca de seu apartamento no Rio de Janeiro, quando de repente bafejam em meus ouvidos: Foi em cima desta mesa que o encontraram morto! E mais tarde, já em Belo Horizonte, vim a descobrir que ele foi encontrado debruçado e já falecido pela neta, no dia 19 de novembro de 1967 na “cidade maravilhosa”, morte que adveio de um malfeitor anti-literário, o infarto.

Quando fiquei a sós no recinto, e de olhos presos em indagações de tudo que se passara naquela mesa e cadeira, notei que lágrimas escorriam da madeira, mas não eram lágrimas de tristeza pela morte do poeta, mas de saudade dos velhos tempos em que ela e o escritor eram grandes amigos, dos tempos em que os estros de Rosa eram em sua companhia transcritos, dos tempos que servia de aconchego para embalar devaneios. O poeta havia lhe abandonado, estava ali deixada às traças, e nem um outro, ousou até então, lhe dizer um poema, lhe contar uma estória, para acalentar seu pobre coração que aparava-se em desespero e agonia.

De olhos tomados pela emoção, sentia que era meu dever, não podia deixar uma agonia perdurar por mais de 42 anos, então, fui à busca nos bolsos de minha calça de um poema, era impreterível, e na minha mão, meu poema - Guimarães Rosa vive em odoríferas rosas - surgiu, e foi quando comecei a recitar que a grande Rosa, de minha boca, baforejava aquele aroma pelo cômodo e partículas de sua essência poética apascentava-se na superfície da vetusta madeira, e no reencontro com o poeta, enfim poderia viver em delírio.

Retornei para Belo Horizonte com um ar de tranqüilidade, pois o abandono, feito pela maldade do humano, havia sido suprido, não por mim, mas pela poesia que tinha a grande Rosa, pois nela, tinha um pouco de Guimarães Rosa.
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Fabiano Mafia Baião
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segunda-feira, 15 de junho de 2009

cadente, por Danilo Maia de Oliveira

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Eu fui às asas e o voou
cadente
Fui caminho entre rios
perdidos
Fui a jornada e o abrigo
Da escuridão
Ferida e consolo
Das velhas chagas
Fui mistério e desvendado
Em sua mente
Fui veneno e poção
Para teus filhos
Fui à guerra e a rendição
Da massa
Sangue lagrima e lamentação.
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Danilo Maia de Oliveira
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brincando de nada

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saltita no lago
a pedra depois submerge
dois olhos no vago
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Octávio Roggiero Neto

quarta-feira, 10 de junho de 2009

DESAFIO POÉTICO: haicai por Marcos Queiroz

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Além da fronteira
Continua sempre o mesmo
O Verde sumindo
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Marcos Queiroz
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sexta-feira, 5 de junho de 2009

Henry Miller, novo poema de Luiz Coelho

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entre as pernas, dínamo,
e diante de si, em suor, a 66,
além do desejo de atravessar,
aos arranques, a fronteira
que me traz de volta ao Pacífico,
mesmo que o meu mar esteja
vermelho (ou seja isósceles o triângulo
da bermuda de velcro e os quebra-molas
provoquem cancros) lubrifico teus trópicos
pronto pra romper primeiro
o áspero asfalto dos anos
a seco.
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Luiz Coelho
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terça-feira, 2 de junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

pro seu baile à fantasia, de Valquíria Rabelo

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subo escadas pra cuspir do alto
do mais alto que puder
e não sou homem,
e não masco tabaco

escavo a descida escarrando alturas
até doer
até ser delícia

amarro meu pé em minhas meias
passo boca no meu batom
pra cair na sua piscina
de terra seca e azul
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Valquíria Rabelo
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domingo, 31 de maio de 2009

Aspira(dor), um novo texto de Luiza Vilela

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O Tamanduá-bandeira tem apetite para formigas e nasceu com um aspirador; uma dessas maravilhas da natureza, milagre da especialização. Gosta de formigas, caça formigas, aspira formigas — está satisfeito. Sem essa baboseira de ter apetite pra tudo, de querer sugar para sí todos os sonhos do mundo. Somos anatomicamente incompatíveis com esse desejo. Quisera eu, uma pelagem cinza com imponente listra preta, um formato assustador e vontade de formigas apenas; formigas e só. Eu aspiro, aspiro, aspiro e só expiro pó.
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sábado, 30 de maio de 2009

Caleidoscópio, poema de Manoela Ferrari

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No tubo
cilíndrico,
fragmentos móveis,
e vidros coloridos
no fundo.
Milhares de imagens
combinadas,
sucessivas,
refletidas
sobre um jogo
de espelhos longitudinais.
Chuviscos amarelos,
bolas azuis,
faíscas vermelhas:
formas amorfas,
disformes,
multiformas.
Formam imagens
múltiplas, desconexas, sucesssivas...
Mas não se deixe cegar pelo que vês,
não se deixe enganar pelo que lhe a
parece.
Seu olho não vê magia:
tudo não passa de simples imagens.
Não há sonho, não há fantasia:
só ilusão.
Tudo heresia!
Relaxe e aproveite o brinquedo!
É apenas uma coisa,
um objeto
sem enredo.
Simples caleidoscópio,
sem segredo,
sem apelo.
Larguem essa postura
Simbolista do exagero!
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Manoela Ferrari
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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Banda Contra-capa, hoje no Circo Voador!

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A banda Contra-capa, que estrela a coluna Futuros Estouros da edição #26 do jornal Plástico Bolha, se apresenta hoje pela primeira vez no Circo Voador. Todos lá!
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quarta-feira, 27 de maio de 2009

Evento: poetas do PB em recital no Leblon

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Evento de poesia na loja Isabela Capeto, no Leblon, com a presença dos bolhas Alice Sant'anna, Mariano Marovatto e Lucas Viriato. É amanhã e estão todos convidados!
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Esperança, novo poema de Raquel Naveira

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Estou grávida de futuro,
Como alguém que vai à cartomante
E ouve tudo que deseja.
A esperança tomou conta de mim
Em ondas verdes,
Diante de mar tão amplo,
Desmaio de sede.
Esperança violenta,
Se eu fosse virgem,
De repente teria me tornado mulher,
Noiva que cai nos braços da morte.
Esperança de transpor a porta do céu,
Tão estreita,
Tão fechada
Por gonzos de prata.
Esperança de ser quem sou:
Semente de mostarda
Que virou árvore,
Embora tarde.
Sobre o abismo,
Essa ponte,
Esse pilar,
Esse poder,
Caminho
E espero.
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Raquel Naveira
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terça-feira, 26 de maio de 2009

FUTUROS ESTOUROS: show de Adriana Maciel

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Assinada por Mauro Rebello, a coluna Futuros Estouros do jornal Plástico Bolha já tratou de diversas bandas e músicos como DoAmor, Os Azuis, Alexia Bomtempo e Contra-Capa.

Para o próximo número, teremos a cantora Adriana Maciel estrelando a coluna. Adriana, que atualmente está fazendo mestrado em Literatura na PUC-Rio, já lançou diversos CD’s e é mais que um estouro.

Quem quiser conhecer um pouco mais do seu trabalho pode ir ao show do seu novo CD, Dez Canções, amanhã, quarta-feira, 27 de Maio, no Hideaway, em Laranjeiras. O disco é belíssimo e o show imperdível!
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segunda-feira, 25 de maio de 2009

CLIQUE AQUI: Associação de Intérpretes

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Quer saber mais da profissão de intérprete de conferência? No site da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência (AIIC), você vai conhecer o código de ética, que determina normas de confidencialidade, de ontologia e prática da profissão e ter acesso a links de interesse. Vale o clique!
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domingo, 24 de maio de 2009

Filosofias de um fumante, por Rafael Castro

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I
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Cigarro mal-apagado
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Assim do Homem é a vida —
Miúda brasa a queimar
Enquanto o vento da alegria
Ou do infortúnio a atinja
Até a chama se apagar
E reste apenas pó,
E cinzas
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II
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Forma e sentido
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E cinza a vida é fumaça
Que esvai, voando: no ar
Não há forma nem quente nem marca —
E de repente
Nada há mais que fumar
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Rafael Castro
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sexta-feira, 22 de maio de 2009

Em cinza, um poema de Laura Assis

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Espaços contigo.
Doces como caminhos
que nunca serão construídos.

— Dias viraram noites,
clarearam dias e
se tornaram noites
que amanheceram.

Verbos medidos.
Ânsia se afoga
no timbre do que eu não digo.

— Palavras queriam ações
mas não eram ações
foram palavras
e aconteceram.

Amoldam-se os cantos.
Deságuam no branco
do meu traçado sem plano.

— Versos que criaram olhos,
escreveram pele
e te sentiram
não se perderam.

Ouvir de você
as três palavras.
Clichês.

Desfaço em medula
o corpo do seu desejo
sem ver.

Amanhã saberemos:
o mundo é tão maior.
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Laura Assis
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quinta-feira, 21 de maio de 2009

LEITURAS ESPARSAS: Projeto Livro Falado

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Você sabia que um livro possui olho? E, antes de começar sua leitura, já reparou atentamente a primeira capa, a segunda, a terceira e a contracapa do livro que tem em mãos? Não se pode deixar de reparar no expediente também; sim, os livros possuem expediente. Enfim, essas são só algumas partes que quase todo livro possui e que, muitas vezes, com nossos olhos famintos e desajeitados, nem percebemos.

Analu Palma é a idealizadora do Projeto Livro Falado, que tem como objetivo levar aos cegos obras literárias na voz das pessoas que queiram aprender como ler de forma correta e fazer as gravações através das oficinas que, atualmente, acontecem às segundas-feiras, no Centro Cultural Justiça Federal.

Foi uma surpresa; primeiro, por descobrir esse grupo de ledores, apaixonados por literatura e dispostos a compartilhar e levar grandes obras de escritores brasileiros para os cegos e, segundo, por perceber como podemos ser poucos sensíveis e atentos ao pegar um livro. Fazer a oficina do Livro Falado é como encontrar um livro pela primeira vez.


Camila: De onde partiu essa vontade de criar o Projeto Livro Falado?

Analu: O projeto surgiu há dez anos atrás. Eu sou zen budista e, em uma meditação, me veio a intuição de que deveria fazer esse trabalho. Não tenho ninguém cego na família, nunca tive que lidar com cegueira, nem conhecia absolutamente nada desse universo. Daí aproveitei na verdade dois privilégios que tenho na vida: o primeiro é o de amar o livro imensamente; pensei, “Nossa, existem pessoas que não têm acesso ao livro, eu posso doar isso”; e o segundo é a minha voz trabalhada de atriz pra fazer com que essas pessoas conheçam o conteúdo de livros. Então, uni duas habilidades numa missão que eu acho que tinha pra fazer na vida.

Camila: Você fala de inclusão...

Analu: Talvez a parte mais interessante da sociedade em que vivemos seja esse olhar inclusivo, a gente tentar apreender todas as diferenças do ser humano, aquele que não enxerga, aquele que não ouve, aquele que tem dificuldade de andar, a pessoa muito obesa, o idoso... Acho que isso é um diferencial da nossa sociedade contemporânea, buscar integrar. Na verdade, incluir nem é mais a melhor palavra; integrar, sim, é melhor. Todas as diferenças humanas como possibilidades diversas. Então, trabalhar para essa integração e especialmente pra difusão do livro! O livro é uma coisa genial, você abre e mergulha em conteúdos que você nem imaginava. Trabalhar nisso tem me feito muito feliz.

Camila: Como é feita a seleção dos livros? Existe um critério ou posso ser ledor de um livro de que simplesmente gosto?

Analu: Pode. Dentro do Projeto Livro Falado o critério que tenho usado é o de escolher autores brasileiros vivos. Por quê? Porque a minha tentativa é de diminuir a distância entre a produção contemporânea de livro e a pessoa cega. Porque essa pessoa cega está ouvindo um autor que vai à Bienal, que vai dar uma entrevista aqui e ali; então, se ela puder conhecer o conteúdo desse contemporâneo vai ser algo um pouco melhor, não é?

Camila: Geralmente quem são os ledores?

Analu: Primeiro de tudo, pessoas que gostam de ler. Segundo, pessoas que ouviram falar do Projeto e se sensibilizam com a proposta. Terceiro: são pessoas que já pensaram em diversos momentos de sua vida em fazer esse trabalho. Na maioria absoluta são mulheres. Como você pode ver nesse grupo, temos apenas dois homens.

Camila: Agora, uma curiosidade que tenho. Por exemplo, Borges ficou cego e Beethoven compôs suas maiores obras depois de surdo. Eles “perderam” seus sentidos, mas Beethoven tinha memória auditiva suficiente para compor, e Borges desenhava seus escritos mentalmente, antes de ditar à Kodama. Você acha que com o Livro Falado, os cegos podem ter contato com os livros de uma forma que posteriormente os faça ter vontade de escrever?

Analu: Existem vários autores cegos; por exemplo, o Glauco Mattoso que é um poeta paulista maravilhoso com vários livros editados, é um trabalho brilhante pra gente conhecer. Ainda no Brasil temos a Virgína Vendramini que, além de ser poeta, é também uma tapeceira. A gente tem um esloveno, Evgen Bavcar que escreve, é professor de filosofia da Sorbonne e é fotógrafo. Então, temos expoentes maravilhosos que produzem literatura, artes plásticas, fotografia aí no mercado, claro que com mais dificuldade que uma pessoa sem deficiência. Dificilmente consumimos a gente consome a arte de pessoas com deficiência porque nem sabemos de sua existência. Esse processo da inclusão começa também com a gente levando ao consumir o produto feito por essas pessoas.

Camila: Também tem uma coisa delicada, que é, por exemplo, comprar o livro porque o autor é cego; daí temos uma curiosidade diferente que não é a mesma que nos leva a escolher o livro de um autor não cego.

Analu: O importante é tirar esse adjetivo. Na verdade essa pessoa é um artista. Ter deficiência visual é só um termo secundário, mas para isso é importante que ele também já saiba se colocar como um artista, e não como um artista com deficiência. Acho que é um caminho de mão dupla que precisamos aprender.
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Para quem quiser conhecer mais o Projeto Livro Falado é só clicar aqui!
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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Lançamento: traduções inéditas de Machado

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Nossos amigos da Livraria e Editora Crisálida, de Belo Horizonte, convidam para o lançamento do livro Três peças francesas traduzidas por Machado de Assis (ainda inéditas), organizado por Jean-Michel Massa. Serão dois eventos, um na Livraria Cultura (São Paulo) e outro na Livraria da Travessa (Rio de Janeiro), ambos com a presença de Jean-Michel Massa.
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terça-feira, 19 de maio de 2009

Capivara da Lagoa

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A capivara da lagoa
Vivia numa boa
Sem pensar em labuta
Ela reinava absoluta

Pegava sol o dia inteiro
Pastava no gramado
E ganhou um companheiro
Que muito foi de seu agrado

Agora sim estava completa
Tinha a companhia ideal
Para uma volta de bicicleta
E sua caminhada matinal

Mas um dia sem aviso
Ele tomou chá de sumiço
Tão depressa como veio
Logo se foi seu parceiro

A capivara ficou desolada
E fez da dor sua morada
Varava noites em claro
Sonhando com o seu amado

Então decidiu sair da fossa
Pois tinha muito que fazer
Era sócia do Caiçaras
E do clube Piraquê

Num dia tal
Sei lá por que
Atravessou o canal
E virou estrela de T.V.

Antes disso
Criou grande reboliço
Procurando seu amor
Nas pedras do Arpoador

Mas ninguém aceitaria
Esse ato de rebeldia
Vai ser mantida em cativeiro
Assim falou o bombeiro

Pobre capivara
Por essa ela não esperava
Maldisse a sociedade
Por punir quem tem saudade
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Luisa Noronha
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segunda-feira, 18 de maio de 2009

SARAMAGO: anticristão ou humanista?

(por Ana Couto Paiva)
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A despeito de todas as críticas feitas ao livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, do autor supracitado, resolvi eu mesma fazer um registro das minhas impressões sobre alguns pontos da obra, sem o objetivo de discutir a veracidade de seu conteúdo (até mesmo pelo seu caráter de ficção).
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Não obstante Saramago, o famigerado autor português, seja um cético, este conseguiu relatar, de maneira peculiar, a vida de Jesus Cristo, mártir das igrejas cristãs, reduzindo, por assim dizer, sua vida em todos os seus aspectos a uma passagem humana e improvável pelos seus seguidores.
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As passagens bíblicas, tangentes à vida de Jesus, não pormenorizam sua porção “humana”, mas traçam o perfil do “filho de Deus”, envolto de uma santidade irrefutável.
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Os pontos mais polêmicos do livro, a meu ver, são a relação de Jesus e Maria de Magdala (hodiernamente tão discutida por agnósticos e mesmo por historiadores), e o malfadado fim de Judas de Iscariote.
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O “Jesus” de José Saramago é renitente, lacônico (já o era antes, biblicamente), taciturno; amarga uma culpa herdada pelo pai terreno, José, e cede às tentações da carne, quando opta por viver em concubinato com Maria de Magdala.
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Não se fala, como outros autores o fazem, na descendência dos concubinos, mas na forma mais humana possível de uma relação entre um homem e uma mulher, sem geração de frutos.
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Jesus, após alguns anos passados distante da família, retorna ao lar com o intuito de revelar aos seus a sua condição suprema de filho de Deus. Contudo, no caminho de volta, passando por Magdala, bate à porta de Maria, sem saber quem lá morava ou de que ofício tirava seu sustento. Tendo os pés feridos pela caminhada, procurava tão-somente quem pudesse aliviar sua dor.
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Impressionado com as formas da mulher, de idade superior à sua, com seu perfume, com o tratamento que dela recebe, acaba cedendo aos seus encantos de meretriz; impressiona-se ainda com sua cama luxuosa e com a estranha intimidade que cria com ela.
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Retornado ao lar, e diante da descrença de sua família em relação à sua origem divina, termina por voltar ao seio de Maria de Magdala, donde fica por algumas semanas, vivendo com ela até o fim de seus dias.
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Nada surpreendente para os tempos modernos. Todavia, pensar numa relação primordialmente carnal, sobretudo há dois mil e nove anos (um pouco mais), é quase impossível! Jesus teria tirado Maria Magdalena da vida até então prostituída para viver com ela em prostituição.
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Inimaginável tal situação, não pelo fato em si, mas pela época em que teria ocorrido. Amavam-se, entendiam-se como amigos; mas viviam em concubinato. À exceção de qualquer influência religiosa, nem nos meus pensamentos mais liberais conseguiria admitir a hipótese de Jesus viver essa relação com Maria Magdalena.
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Não seria menos louvável o Nazareno se com ela se tivesse casado. Mas repito: inadmissível seria naquele contexto histórico, e, portanto, improvável, que vivessem ambos tão liberada relação e, cumpre-se dizer, tão humana (mais, impossível).
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No tocante a Judas de Iscariote, este teria se resignado a ser eternamente condenado pela humanidade.
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Prestou-se o discípulo à árdua tarefa de denunciar Jesus às autoridades romanas, para que fosse preso, julgado e condenado. Observe-se: a pedido do próprio mestre, quando os demais se recusaram a fazê-lo. E ao praticar tal ato, mesmo provando sua lealdade, tão arrependido ficou, que pôs fim à própria vida, suicidando por enforcamento.
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Aqui, concordo com o autor, pois me parece impossível pensar que, já sabendo Jesus de seu destino, fosse surpreendido pela traição de um dos seus seguidores.
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Foi Judas o grande traidor ou o fiel incondicional? Mais pertinência tem a segunda hipótese, e mister ressaltar a valorosa coragem do apóstolo, não só a de cumprir a difícil tarefa, como a de suportar para sempre a condenação póstuma.
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Por fim, a leitura dessa obra tão polemizada e alvo de censura até, é das que eu recomendo para quem ainda não a fez.
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O aspecto totalmente humanizado — e concomitantemente anticristão — que Saramago confere ao personagem principal, a completa diferenciação desta história à já conhecida versão bíblica, nos remete a um outro universo, desconhecido, e nem por isso, menos intrigante.
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sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sala de Espera, um poema de Sérgio Medeiros

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Numa dessas salas
em que todos esperam algo,
sempre há um cheiro de tédio
e revista de fofoca.
E há pessoas com seus rostos
enigmáticos, que parecem
querer não demonstrar nada,
e dizer apenas que estão aguardando,
sem vontade, sem pressa,
sem receio e nem anseio.
Mas, um dos rostos descuida-se
e, num movimento rápido,
deveras revelador,
deixa ver uma meia infantil,
dessas que eu compraria,
se tivesse uma filha de seis anos.
Fico então a imaginar
os filmes que esse rosto vê,
e os livros que gosta de ler.
Agora, somos quase íntimos.
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Sérgio Medeiros
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quarta-feira, 13 de maio de 2009

Marona: pequenas biografias não-autorizadas

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pequenas biografias
pequenas poesias
com os bagos sujos
de versinhos brancos

quem te autorizou?
quem é o autor?
quem abriu a boca?
eu é que não fui

um grande erudito
certa vez me disse
viva a poesia
dentro de um puteiro

e essas discussões
sobre a poesia
sobre artilharia
meu deus, quanta frescura

(aposto que você deve
morrer de irritação
quando vem alguém e diz:
escreve sobre o fulano?)
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Paulo Gravina
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Após terminar a leitura do livro de estreia de Leonardo Marona, Paulo Gravina não se sentiu autorizado a falar nada sobre ele. Então, seguindo o exemplo do autor, resolveu poetizá-lo. Leonardo Marona já participou de cinco edições do jornal Plástico Bolha e foi capa da edição #25. Três desses poemas estão em seu mais recente livro, inclusive o seu poema narrativo publicado no atual Desafio Poético.
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Lançamento de Estelar, de Alice Monteiro

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terça-feira, 12 de maio de 2009

Vermelho Bordeaux, poema de Henry Pablo

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Enrolaste na cortina do bordel dizendo
que era seu vestido. Nada contra os bordéis,
é que a Cortina era velha. Da próxima vez,
me avise, eu compro um vestido para você.

Enrolaste na cortina do bordel para combinar
Com a cor do seu cabelo. Vermelho bordeaux.
Deixaste a sala menos aconchegante
por um simples capricho. Da próxima vez,
eu compro um bordel para você.

Enrolaste na cortina do bordel
Dizendo que era seu vestido.
Fizeste da cortina vestido para que eu
Pudesse retirá-lo pessoalmente e
Transformá-lo em retalhos.
Da próxima vez, permaneça nua.
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Henry Pablo
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Poema como mote para a solidão sem fim

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Os tubarões andam se alimentando de surfistas.
Aquele navio asiático permanece ancorado
com porões cheios de carne estragada.
Tenho medo, mamãe, do Canibal de Milwaulkee.
Tenho medo do assassino que mata casais na praia.
Tenho medo de ser torturado por policiais por causa do beijo que dou em meu namorado – cobram caro pelo flagrante de um abraço.
Não temos glória, mamãe.
Só uma luta infinda.
Pedradas, imprecações!
Eles não nos aceitam, mamãe!
Só suportam nossas cores,
nossas gargalhadas,
nossos falsos decotes,
nossos quadris,
peitos e bundas
de silicone e anabolizantes.
Mas somos mais desaforados que eles, mamãe.
Porque não podem nos eliminar a todos.
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Tom Zine
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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Evento Internacional de Poesia em Maricá

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MARICÁ SE FAZ PRESENTE
em mais uma edição do Evento Internacional de Poesia:
“PALAVRA NO MUNDO III”
Período: 14 a 17 de maio de 2009

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Sob a Coordenação Geral (Maricá) das escritoras e produtoras culturais Maria Regina Moura e Patrícia Custódio. Mais de 40 países, mais de 100 cidades, mais de 300 pontos de encontro para leituras simultâneas de poesia, com 2 coordenações no exterior — uma, na Argentina; outra, na Itália — em mais uma edição do Evento Internacional de Poesia.
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Informações: Canteiros de Obras : (21) 2636 0012
http://www.canteirosdeobras.com/
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DESAFIO POÉTICO: primeiros versinhos

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whisky com guaraná
tequila com limão
seu copo eu aceito
você num quero não
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Luciana Mutti

ULISSES (REMOENDO-SE TODO)

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........por sua vez, ela terá escrito um best-seller oportunamente batizado de “Ausência” (“A Tua Ausência”, “Dilacerar-se de Ausência”, “Ulisses Ausente”), ter-se-á feito fanal das mal'amadas, as postas de parte, as deixadas pra tear — vertida em línguas que nem sonham existir, terá feito a burra do dinheiro, terá mandado Telêmaco aprender os clássicos em Harvard, Princeton ou Yale
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domingo, 10 de maio de 2009

náusea, um poema de Danilo A. Briskievicz

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saio cedo
não acordo
ninguém

saio cedo
não provoco
alguém

eu me vou
como outros
vão

eu me parto
como outros
dão

o dia se faz
e me desfaz

o dia é capaz
de dar a paz

amanhecer é suportar-se
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Danilo Arnaldo Briskievicz
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sábado, 9 de maio de 2009

Exposição do artista Mário Alex Rosa em BH!

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Um terror chamado continuidade

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E a vida la fora prossegue
Flores, amores, sorrisos, sabores...
Tudo o que é de direito sonhar
Mas todo sonho que não se realiza
Pesadelo está fadado a se tornar
Ontem, tudo pareceu mais triste.
É... a vida segue.
E sem mim.
Eu estou fora de mim.
Eu estou fora dos outros.
Esta noite, há um breu lá fora e um breu aqui dentro.
O dia amanhecerá. Eu sei disso.
Mas eu permanecerei trancafiada
na escuridão dos meus pensamentos.
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Joana Paranhos
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sexta-feira, 8 de maio de 2009

Lançamento do livro de Leonardo Marona!

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É amanhã o lançamento do livro Pequenas Biografias Não-autorizadas do nosso amigo do Bolha Leonardo Marona. Será no Bar Bukowski a partir das 19 horas. Esperamos todos lá!!!
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quinta-feira, 7 de maio de 2009

VITRINE: artes plásticas no Cine Glória

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LEITURAS ESPARSAS: Tancredo Neves (Filho)

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“Você quer fazer uma entrevista para o Plástico Bolha com o filho de Tancredo?”. O filho de Tancredo Neves. Tentei fugir algumas vezes, inventei desculpas, novos assuntos, mas não havia jeito, Décio continuava com a mesma pergunta: “Você não quer fazer uma entrevista com o filho de Tancredo? Ele está ali, olha!”. Estava mesmo, sentado num sofá, numa conversa animada e cercado por amigos que bebiam whisky. É claro que eu queria; sabia que seu pai, Tancredo Neves, tinha sido eleito presidente do Brasil em 1985, porém, antes de tomar posse faleceu por motivos de saúde, causando um grande impacto na sociedade da época; afinal, um civil assumiria o poder depois de tanto tempo de ditadura. Eu só adiei o momento porque sabia que poderia fazer várias perguntas relacionadas à memória e à história, mas não era capaz de fazer uma contextualização imediata entre literatura e a família Neves. Mesmo assim, Augusto Tancredo Neves Filho quebrou toda minha insegurança, demonstrando a simpatia de um legítimo mineiro.

Augusto: Não me chama de senhor, não!

Camila: Ah, não? Desculpa! Desculpa então... É porque, porque admiro muito a trajetória da sua família e imagina... chamar você de você, eu fico meio... bem, mas o Décio estava me dizendo que além de economista, você escreve crônicas.

Augusto: Olha, você não deve chamar ninguém de economista, viu? Hoje em dia economista soa pejorativo.

Camila: Ah, ta. Mas, você também escreve alguma coisa?

Augusto: Eu escrevia cartas...

Camila: Pra quem?

Augusto: Ah, pra pessoas interessantes... Hoje ninguém escreve mais carta!

Camila: Não mesmo! Aliás, eu escrevo, quando estou apaixonada, sabe? Escrevo mesmo. Mas nunca mando essas cartas...

Augusto: Pois é, mas eu mando!

Camila: Não manda e-mail?

Augusto: Eu mando e-mail, mas e-mails restritamente profissionais, mas conversar por e-mail de jeito nenhum!

Camila: Existem vários livros que publicam cartas trocadas entre escritores, políticos, amantes... agora, a gente vai fazer o que para resgatar a memória dessa gente? Rastrear e-mail?

Augusto: Pois é, isso é problema de geração! Vocês agora entram nesses sites para ficarem conversando! Eu sou da geração que escrevia cartas e falava por telefone! Eu não sei conversar teclando! Aliás, acho isso uma coisa horrorosa, uma chatice!

Camila: As pessoas namoram pela internet, marcam encontros sem troca de olhar, sem...

Augusto: Isso, isso aí! O meu limite no sistema é só mandar e-mail profissional, eu já paro por aí!

Camila: Ao mesmo tempo não dá para ser muito saudosista, né? A gente sempre fica achando que o tempo anterior era melhor do que o que vivemos no presente...

Augusto: É, mas antes você tinha mais tempo. Tinha tempo até para raciocinar, o computador te tirou esse tempo. Até para falar uma mentira, o celular acabou com isso, você não pode mais mentir, não pode nem trair!

Camila: E quando se marcava um encontro num determinado lugar, as pessoas iam; hoje em dia, pode-se desmarcar tudo em cima da hora, é só ligar ou mandar uma mensagem. Hoje, “o encontro” tomou perspectivas diferentes.

Augusto: Hoje em dia é o seguinte: é a evolução imbecilizada...

Nesse momento o garçom chegou com os pratos.

Augusto: O que é isso?

Camila: É macarrão... coberto com um creme de leite que esconde a massa.

Augusto: Então deixa aí. Depois eu como... Que é a versão imbecilizada de um livro que se chama 1984 do George Orwell, que é o Big Brother. Então, o que acontece? Acontece que nós chegamos, já estamos além, porque a privacidade foi embora, em todos os sentidos. Então, quando a gente fala que o tempo anterior era melhor, é porque você tinha uma privacidade, hoje você não tem. É o que falo... Você não pode mais falar, dizer a mentira verdadeira , falar aquela mentira que todo mundo usava, sabe? Eles gravam tudo do olho! Você é escravo de tudo, escravo do mundo, do olho de que George falava no livro. Outro dia eu estava lendo que, em São Paulo, querem colocar o GPS, obrigatório, em tudo que é carro. Você já tem um celular, GPS (com indignação), e aí? Você vai esconder embaixo da terra? O meu jogo era outro! Agora eu tenho que entrar no jogo de vocês! A evolução no meu tempo era aritmética! Agora é geométrica! Eu não consigo acompanhar isso. O bom é que a gente morre, a morte é uma solução fantástica!

Camila: Antes de terminar, qual livro que está na sua cabeceira?

Augusto: Código da vida, do Saulo Ramos.

Trocamos e-mails e fomos ao macarrão.
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terça-feira, 5 de maio de 2009

Mezanino, um novo texto de Lucas Ferraço

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Because everyone else is boring. And because you are different.
(A Ciência dos Sonhos)
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A concepção das relações intersubjetivas é complexa, mítica, perturbadora, interessante. A escolha e o encontro de amizades se fazem através de processos corriqueiros e premeditados, exigentes; os resultados, as buscas, são — por sorte — imprevisíveis. Assim como as palavras que almejo para este texto, as aproximações sociais, espirituais, brotam de um local obscuro da mente, do elevador, da escada, da porta ao lado, do caos ordenado e labiríntico do ouvido humano: pega-se o melhor, o mais agradável, o mais desagradável, o mais inspirador, o mais comovente, o mais frio, o de fora, a maçaneta.

A análise permitiu o desenvolvimento de onomatopéias estridentes, lindas. Decompõe-se o seu ser; criam-se seres diferentes a partir do mesmo, busca-se o preenchimento do vazio e da solução para o paradoxo que aqui se faz: nada é vazio. Instrumentalização humana. Pronomes reflexivos são utilizados, a língua mexe, a adjetivação é excessiva. Quando é encontrado, o fim para o tédio sorri-de-canto-de-boca. Inebriante, ele descaracteriza mais um objeto, dinamiza todo um sistema. A angústia suave ainda persiste — pleonasticamente poético, sorte.

O mezanino dialoga. Fala-se, verbaliza-se, escreve-se, convida-se. Objetos sem sustentação física são criados; nega-se uma identidade, identificam-se outras. Rir, beber; verbos e ações. É a derrocada do marasmo, da prostração — sim, “prostrar” também é um verbo, mas pouco importa. Escuto o piano, vejo um quadro, leio Whitman, grito o filme, sinto dor de garganta, danço com cabelos castanhos, subo o morro, vivo.
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EVENTO: Versos da Meia-Noite, no Rio

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Versos da Meia-Noite
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Edição Rock - Homenagem a Jim Morrisson – The Doors

Quando as portas da percepção forem limpas,
tudo poderá ser visto como realmente é: infinito.

William Blake

7 de maio - quinta - 23h

Fosfobox

Shows + Djs + Performances + Projeções + Muita Poesia

Com:

Betina Kopp + Pedro Rocha + Madame Kaos
Paulo Betto + Ricardo Maia + A Dupla do Prazer
Movimento inVerso (Clauky Saba e Gustavo Saba)
Brita Brazil + Sandra Grego + Beep-Polares
Artur Gomes (Poesia/Blues) + Lettuce (Intervenções Eletrônicas)
Blake Rimbaud(Rock/Poesia) + Jamband Express(Rock 60/70)
Maysa Britto + Petite Poupée (Artes Plásticas)
Action Painting (Saba e Betina Kopp)
Maurição (Projeções) + Dj Junkie(Rock/Pop)

Desorganização: Gean Queiroz

Fosfobox Bar Club
Rua Siqueira Campos, 143 , Lj 22a , Copacabana,25487498

Entrada R$10 - Com Flyer ou Lista Amiga Gean R$5


http://www.versosdameianoite.blogspot.com/
versosdameianoite@hotmail.com
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segunda-feira, 4 de maio de 2009

Colega, um poema de Sebastião Ribeiro

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de teus pêlos surge um conforto morno
uma palavra ou
uma descoberta adormecida
num campo de hálito
num verde compreender da noite.

este não entender corrente pelo
róseo escondido
mundo inaudito que expulsa os
olhos mortos
os dois perdidos
mudos e retraídos
sobre o macio cabelo parado.

pelo mundo (todo surdo)
nossos dedos viram a esquina
chamam a rua no perdido
pelo escuro nenhum som bendito que
corte a luz e te chame abrigo.
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Sebastião Ribeiro
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Sebastião Ribeiro é nosso leitor de São Luiz, MA, (onde nem distribuimos o jornal ainda, mas ele já chegou!) e mandou esta poesia pelo site do jornal Plástico Bolha. Envie você também o seu trabalho!
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domingo, 3 de maio de 2009

EXTRA! Edição 26 já está no ar em nosso site!

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Já esbarrou com a nova edição do Plástico Bolha por aí? Não? Então entre agora em nosso site e confira em primeira mão o PB#26!!!
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sábado, 2 de maio de 2009

poeminha sujo, uns versos de Daisy Miller

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Me lamba, se lambuze
Me abra com cuidado
Que eu sou só uma lata
De leite condensado.
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Daisy Miller
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Lançamento e exposição: Gianguido Bonfanti

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chamada a cobrar, de Edson Pielechovski

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ligação mal feita
vai tudo mal

— Essa é a novidade visceral monocórdica de olhos grandes telepatas do outro lado da linha
não é história

Não dá tempo de se explicar

nunca deseje mal a ninguém

Os homens exploram uns aos outros
tão por baixo
— É melhor aceitar essa nova leitura metafórica online como vantagem espiritual

beijo...
me liga...
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Edson Pielechovski
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Edson Pielechovki pegou o jornal hoje à tarde na Casa das Rosas e respondeu imediatamente nos enviando alguns poemas. Temos agora um novo fã, fazendo a primeira ligação de São Paulo com o jornal Plástico Bolha.
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sexta-feira, 1 de maio de 2009

Jornal Plástico Bolha chega a São Paulo!!!

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Depois de rodar pelas cinco regiões do país, finalmente o jornal Plástico Bolha desembarca em nossa maior cidade. Os leitores paulistas agora podem aproveitar para ler o jornal de literatura mais badalado da língua portuguesa. Leve literatura agora na Casa das Rosas, primeiro ponto de distribuição da big apple tupiniquim.
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Casa das Rosas - Av. Paulista, 37 - Bela Vista, São Paulo
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Nostalgia, texto de Bruno Papito Nascimento

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Há dias em que você acorda e se vê diante do abismo. Olha para trás e não recorda o caminho que percorrera. O que você fez nessa vida? O que você fez da vida? Correu atrás de borboletas no jardim do cemitério, mas não encontrou nenhuma lápide para a saudade... só um túmulo onde se lê "Infância".
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Bruno Papito Nascimento
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quinta-feira, 30 de abril de 2009

Disk-Pizza, um conto de Giselle Ferreira

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A chuva espalhava o sangue brilhante que vazava do capacete. Seu dono estava estendido no chão imóvel. As pizzas atiradas no asfalto negro, rodelas de calabresa e tomate espalhadas em volta dos discos fugidios que se misturavam ao sangue como glóbulos gigantes. Logo apareceram várias pessoas para socorrê-lo, na maioria outros motoqueiros que se juntavam feito formigas operárias. Outras se aproximavam, insaciáveis desta mórbida rotina. Havia ainda as que preferiam escapar enquanto desse tempo, fugiam do trânsito, do outro, da proximidade da realidade.
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— Enganchou na traseira do caminhão, vinha costurando feito louco.
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— Também, se não fazem a entrega no tempo, tem que pagar pela pizza.
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— Meu Deus, onde é que a gente vai parar!
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O motorista do caminhão permanecia imóvel, olhos órfãos, sem entender ainda o que havia acontecido, lembrava-se apenas do leve impacto atrás do caminhão.
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— Alguém chama o resgate!
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— Tem que tirar esse pau da cabeça dele.
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— Não pode, se tirar ele morre.
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Sentia uma dor leve, um frio fino que lhe penetrava os caminhos da alma. A chuva grossa refrescava a pele morena no asfalto ainda quente do dia de verão; entre as pálpebras semicerradas, viu estrelas faiscando nos postes estampados contra a negritude da noite. ‘Pai, você me dá uma boneca que faz xixi no meu aniversário?’ ’Mas minha princesa, é muito cara, não tenho dinheiro.’ ’Então você vai no banco e pega!’ Aqueles pequenos olhos suplicantes lhe davam pistas da sua existência.
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— Vê se tem documentos no bolso.
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— Melhor ligar logo para o restaurante.
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Sentiu o cheiro da chuva e lembrou-se do subúrbio de terra batida onde crescera. Os pés enlameados a caminho da escola nos dias de chuva nunca chegaram ao final do ensino básico. Não havia tempo para aprender além do que estivesse no seu caminho. Urgia sobreviver à sua sina. Lutava para sair do vácuo, mas só ali, em cima das duas rodas, sentia vida, ainda que malfadada. Fazia entregas, uma após a outra até a última, a de sua vida.
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— Pizza D’Ore, boa noite.
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— Um motoqueiro que trabalha para vocês sofreu um acidente.
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— Morreu?
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— Não dá para saber. A chapa da moto é BRB 3355.
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— É o Josoaldo. Vou mandar fazer outra pizza.
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Giselle Ferreira
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Giselle Ferreira profissionalizou-se como Tradutora e Intérprete e possui mestrado em educação na Universidade de Harvard. Ela trabalhou no Consulado Americano e atualmente ensina inglês para crianças em um programa americano em São Paulo, além de participar do Laboratório de Criação Literária do Museu Lasar Segall. No meio tempo de tantos afazeres, passou no site do jornal Plástico Bolha para brindar-nos com alguns de seus textos.
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Lançamento coletivo de poetas em SP

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quarta-feira, 29 de abril de 2009

Lançamento de "Cor de Cadáver" em BH

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Quarto com suíte, texto de Éder Rodrigues

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Salvo tuas mãos do sono, onde agora tudo singra e nada breve é o que se espera. Nenhuma palavra rompe o eterno que se desenha ou o impossível que se desculpa. Rente no assim tão dentro do enlouquecer dos dedos, do caminho que não conseguem. Teu escrito molhado num vício-corpo é qualquer coisa entre ir, sem se levar. Tudo escorre. Tudo migra. A distância não vira poema. Só o olhar de quem morre, de quem pede fim. Solidão coberta por lençóis de linho. Espelho-teto de uma lua amíngua.
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Salvo tua boca do silêncio onde agora nada vinga. Socorro tua palavra do corte, da nossa imagem embaçada nesse pedaço de céu espelhado. Gozo incerto que adormece os homens, antes de serem homens. Corpos num eclipse afora, na fase diminuta de seguir, ficando. Teu rastro de quem esquece, tua loucura de quem já se foi. Sono de quem arde ou adormece assim. No instante rompido de não estar, estando. Solidão nua. Sem lençol sem nada. Num banho morno de sarar não-ditos, de curar os escritos pontiagudos da tua língua.
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Éder Rodrigues
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Lançamento de livro sobre Guimarães Rosa!

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Lançamento de livro com a participação dos amigos do Bolha: Stella Caymmi, Leonardo Vieira e Eliana Yunes!
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Américas, novo poema de Miguel del Castillo

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Avenida das
Américas à noite,
cada poste que passa
a oitenta quilômetros
por hora é luz
branca que escorre pros
olhos,

os freios
vermelhos piscam
piscam
e o que vem ali
à frente depois
do Barrashopping
só Deus
sabe,

tantos prédios
condomínios
cercas
que eu
já nem sei —

essa avenida parece
um rio e
seus barrancos
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Miguel Del Castillo
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Evento "Poética" no Teatro Escola SESC

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terça-feira, 28 de abril de 2009

Operando a Manhã, poema de Lucas Matos

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Um saco pleno de gemas,
algo assim como um câncer luminoso,
E um bisturi afia a ponta da sua lâmina sobre a fina pele.

Repente
Amarelo!

Não é preciso nenhum galo
Para anunciar o amanhecer.
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Lucas Matos
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Evento "Terça Poética" em Belo Horizonte

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O caos da rosa, poema de Rebecca Garcez

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Olha lá! Até as pétalas em guerra.
Guerra pra ver quem vai sentir a terra
Mas conforme o caos come
a rosa
morre.
A pétala
cai.
E então anarquia se faz, meu pai!
Quando se vai, se cai, se ganha.
Nunca vi tanta barganha.
Se ganha, porque mesmo morta
a delicada pétala torta
abre uma porta pra sentir a terra.
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Acorda...
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Colóquio Literatura e Revolução, na PUC-Rio

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Evento em comemoração dos 35 anos do 25 de Abril organizado pela Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses. Clique na imagem para ampliar a programação
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Plástico Bolha #26 já em Belo Horizonte!

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Os leitores mineiros receberam em primeira mão a nova edição do jornal Plástico Bolha. Quem quiser conferir a nova edição pode encontrar no nosso principal ponto de distribuição na capital mineira:
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- Livraria Scriptum - Rua Fernandes Tourino, 99 - Savassi
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Crise, um texto de Anna Beatriz Siqueira

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Eram melhores amigas. Inseparáveis. Uma loira, outra morena. Uma de olhos castanhos, outra de olhos verdes. Até que um dia, a outra apareceu loira e a uma chiou.
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— Mas que é isso?
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— Pintei o cabelo.
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— Sim, eu sei, mas tinha que ser justamente da mesma cor que o meu?
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— Está na prateleira é para se comprar, querida.
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Isto não ficaria assim. Na semana seguinte, lá estava a uma com lentes de contato verdes. A outra reclamou:
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— Mas você, hein?
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— Está na prateleira é para se comprar, esqueceu?
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— Ah, é?
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No mês seguinte, a outra estava vestindo as mesmas roupas que uma. Passou mais um mês, uma estava com os mesmos sapatos que a outra. Mais um mês e surgiu o Carlinhos em suas vidas:
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— Eu vi primeiro!
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— Não, senhora! Eu que vi!
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E este, vendo que nem uma nem outra se acertavam, preferiu ficar só a ter que lidar com uma crise de identidade.
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Anna Beatriz Siqueira

Destino, poema de Petrônio Souza Gonçalves

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Eu sou um trem de ferro
Que leva minérios
No coração.

Eu sou um trem de ferro
Que traz histórias
No vagão.

Eu sou um trem de ferro,
seguindo os trilhos
Da palma da minha mão.
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Petrônio Souza Gonçalves
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Petrônio Souza Gonçalves trabalha na Academia Mineira de Letras e foi muito simpático em receber o pessoal do jornal Plástico Bolha por lá. Esse poema, Destino, está em seu livro Adormecendo os Girassóis, Ed. Europa.
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segunda-feira, 27 de abril de 2009

Lançamento de "A Casa do Fim", na Gávea

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Presente do Indicativo, de Fernanda Hott

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O presente se refere a um fato
E quando mudam os fatos
Muda-se todo o discurso
E o presente vira passado
E o que era fato vira um fardo
Que terá que ser carregado
Por todo o percurso
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Fernanda Hott
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Fernanda Hott é nossa leitora de Vitória, ES, e acaba de nos enviar alguns poemas. Escolhemos este Presente do Indicativo para compartilhar com os leitores do Blog do Bolha. Aguardamos mais textos dos leitores capixabas!
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LEITURAS ESPARSAS: A enfermeira Creuza

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Noite e dia se confundem no Hospital Cardiotrauma de Ipanema, a não ser pelo relógio que indica a hora. Por volta de 2:30 saio do leito e encontro uma enfermeira; ela estava com a cabeça debruçada nos braços ensaiando um cochilo. Perguntei se ela se importava em trocar algumas palavras. Ao ócio daquele ambiente nada restava a não ser se permitir conversar com uma curiosa. Aos dezesseis anos Creuza Souza deixou o esposo e a roça para buscar no Rio de Janeiro um futuro. Hoje , aos 52 anos, a auxiliar de enfermagem diz com convicção o que mais ama fazer na vida: cuidar de gente, ajudar a salvar pessoas. Quando começou a falar de livros, escorregou diversas vezes na sua própria história e memória. Creuza dá inveja à imaginação e à pretensão de qualquer escritor, sua vida é um prato cheio de terror e superação, de buracos, de “não dá pra explicar, dona Camila”.
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Você gosta de ler, Creuza?
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Ler é muito importante porque traz conhecimento. Eu li um livro em algum lugar do passado que me chamou muita atenção, não lembro o nome. Eu gosto de ler manchetes, das notícias dos jornais. Gosto de ler a revista Época.
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As histórias que você me contou dariam vários livros, como já deram de alguma forma. Você convive diretamente com uma linha entre morte e a vida. Não tem como fugir: você como enfermeira e seus pacientes, em casos mais graves ou não, refletem constantemente sobre a vida e a morte. Inclusive, esse é o grande tema dos livros, sabia? Mas o negócio é o seguinte, você se assusta com essa sua rotina de pessoas que fogem ou querem se entregar à morte?
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Não vou dizer que é fácil. Cada dia é uma experiência. Tudo que você faz na vida tem que ser por amor, senão você deixa a desejar. Então, lidar com essas pessoas, com os pacientes é algo que faço porque gosto. Por mais que elas pensem que a vida delas acabou, que não são mais importantes para o mundo, meu dever é incentivar e dizer que não. Nós temos é a esperança, porque a vida só Deus pode tirar. Qualquer um de nós, enfermeiros, médicos, qualquer um que cuide de um ser humano tem o dever de tentar salvar.
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Percebi os quartos do hospital não têm janelas e neles há televisões sempre ligadas! Os pacientes ficam deitados o tempo todo assistindo a televisão? Não pedem para ler um livro, uma revista?
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Alguns deles pedem para a gente ler em voz alta, quando têm gosto pela leitura. Tem gente também que não gosta de ler nem de televisão, tem pavor de televisão, aí ficam só no mundo deles... Mas, diante de tudo isso, o que eles mais precisam é de amor e carinho. As pessoas doentes ficam muito carentes.
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Se você fosse escrever uma história, que história seria?
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Olha só, a história é uma coisa muito linda, na história tem tudo, porque começa com você. É um avô do passado que às vezes você nem conheceu, aí você fala aquilo que seus pais te contaram do seu avô... eu acho lindo o amor. Eu acho que a história é o tudo, é a nossa vida, é o dia a dia, é o romance, é aquele amor que você teve no colégio, é aquele professor que você achava lindo, é aquela pessoa que você não pode ter ao seu lado. Eu acho que colocaria um pouquinho de cada no meu livro. Assim. Vamos supor, eu te conto algo que passou na minha vida, é uma história, mas tem algo que acontece na nossa vida que não tá na história do que aconteceu, tá em outra coisa, entende? Eu não sei explicar. Tem coisas também que você gostaria de apagar da mente. Eu não sei como eu poderia explicar essa palavra para você.
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Eu entendo Creuza, não precisa explicar mais. Agora, se fosse para você escolher uma história, um livro para ler, o que escolheria?
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Gostaria de ler a história da minha vida, mas gostaria de ler outras coisas, coisas importantes para ter mais conhecimento. Sobre a natureza eu queria ler também, coisas que aconteceram há milhões de anos atrás, no início do mundo, do tempo, é tanta coisa que eu queria ler! A gente se surpreende com tanta coisa que a gente descobre. Mas o mais importante da história, é que ela fica. A história fica, né?
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Acho que está bom, Creuza, vou deixar você descansar...
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Mas é para isso que serve uma história não é?
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Fui seguindo o corredor em meio àquelas respirações monitoradas.
O resto é silêncio.
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sábado, 25 de abril de 2009

Para Kafka, um novo poema de Rafel Castro

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O animal que tosse nas entranhas
Grita mudo o profundo ensinamento
Seja inseto, homem ou toupeira,
Todos sentem em si a centelha
Da fé que cura
O esquecimento
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Rafael Castro
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quarta-feira, 22 de abril de 2009

ENTREVISTA COM RUY ESPINHEIRA FILHO

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A primeira vez em que encontrei a poesia de Ruy Espinheira Filho foi na feira de livros realizada no Rio de Janeiro, Poesia Reunida e Inéditos. Lá se vão quase dez anos daquele primeiro contato. O mais surpreendente dessa história é que fui conhecê-lo pessoalmente alguns anos depois, na mesma feira itinerante de livros, no dia em que o poeta receberia o prêmio na ABL, pelo primoroso Elegia de agosto e outros poemas (2005). Naquele dia passamos a manhã conversando sobre livros e a vida; mas, na verdade, a conversa já se iniciara bem antes e continua até hoje. Durante este tempo tenho tido a felicidade de compartilhar da amizade de um poeta simples e humano, sempre disposto a um diálogo igualitário, sem o distanciamento muitas vezes estabelecido entre escritores e leitores.
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Impossível ler seus poemas e não se sensibilizar diante dos questionamentos, pois são nossos também — compartilhamos das mesmas felicidades e agruras ao longo da vida. Assim, nada mais natural que ele fale de sentimentos humanos em linguagem humana, tal qual o fez Manuel Bandeira.
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Nesta conversa o poeta nos esclarece seus principais campos temáticos e nos convida a visitar sua fabulista memória.


LANZILLOTTI: Heléboro — seu primeiro livro, publicado em 1974 — já traz várias tendências de sua poesia, sobretudo a contenção expressiva e o lirismo elegíaco. A divisão do livro nas seções “Longe de Sirius” e “Música pretérita” revela o mal-estar existente em relação ao que é inatingível como experiência tátil, mas que se busca pela junção entre memória e recriação. O passado acaba tendo, dessa forma, um lugar privilegiado. Qual a relação entre sua poesia e a passagem do tempo?

ESPINHEIRA: Jorge Luis Borges dizia que todos os animais são eternos, menos o homem, porque este possui o conceito de tempo sucessivo — ou seja, tem consciência da passagem do tempo, com o qual leva a vida. A vida, sim; não apenas as coisas — como escreveu Ovídio. Em outras palavras: nos leva à morte. E esta é nossa angústia maior: a consciência da morte. Assim, como todo o mundo, desde cedo me senti participante desse drama. E, como escrevo com a vida, é claro que a consciência do tempo teria de estar presente. Quanto ao passado, é a única coisa que realmente possuímos — e que a fabulista memória vai tornando mais preciosa. Enfim, escrevo com o que há de mais forte em mim: o sentimento do efêmero e a memória. Que é o que somos todos nós: nossa memória; nosso passado. Encerrei o poema “As meninas”, de Julgado do vento, com este verso: “O passado não passa”.

LANZILLOTTI: O senhor lançou livros de crítica sobre Jorge de Lima, Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Qual a influência da leitura desses e de outros poetas em sua poesia?

ESPINHEIRA: Influenciaram-me muito os três, pois eram mestres de poesia. No caso do Mário, sua influência foi mais crítica, ensinando-me, por exemplo, que a originalidade está em nós mesmos. Jorge de Lima e Bandeira foram mais mestres de poesia propriamente dita. Mas recebi e recebo a influência de muitos outros autores — como Camões, Drummond, Vinícius, Cecília, Sosígenes Costa, Carlos Pena filho e até Olavo Bilac, para só ficarmos nos escritores de Língua Portuguesa.

LANZILLOTTI: Ainda no que se refere à relação entre memória e passagem do tempo, o senhor, em “Insônia”, escreve “que lembrar é a minha natureza e às vezes/ um desespero”; já em outro poema, afirma que “mais pleno é o perdido, pois o resto/ ainda não se cumpriu”. A recordação de tudo que fora perdido é concomitantemente agonia e bálsamo?

ESPINHEIRA: Lembrar pode ser, mesmo, um desespero — sobretudo por não podermos assumir de forma total esse tempo contemplado, evocado, ou não suportar, como dizia Camões, a grande dor das coisas que passaram. E que, como já foi dito, porque passaram não passam nunca... Sim: a recordação é às vezes bálsamo, às vezes agonia. O outro verso que você citou ilustra o que falei há pouco sobre a memória e o passado: é claro que o que se foi é mais pleno, pois já está inteiramente realizado, cumprido; enquanto o presente e o que podemos chamar de futuro não chegaram a tal realização — ainda se encontram em processo ou apenas em estado de expectativa, anseio, sonho.

LANZILLOTTI: O poema “Elegia de agosto” fala da dor de Drummond diante da perda da filha. Manuel Bandeira publicou um poema homônimo. Coincidência ou não, sua obra poética, em alguns aspectos, evoca temas bandeirianos, partilhados também por outros poetas — quiçá, de toda a poesia. Até aí nada de novo... Enquanto Bandeira fala da vida que poderia ter sido, em sua obra perpassa, ao contrário, uma vida que foi e só volta a partir da recordação — seja esta real, seja fictícia. Qual o papel da recordação em sua poesia? Somente o que fora perdido é realmente nosso para sempre?

ESPINHEIRA: Esta é uma pergunta cheia de perguntas. Drummond viver mais alguns dias só para sofrer com a morte da filha única foi uma tragédia que me comoveu muito, daí o poema. Como o fato se deu em agosto, a elegia só poderia ser de agosto. O poema de Bandeira com título idêntico fala de coisa totalmente diversa e, a meu ver, sem valor poético: sua decepção diante da renúncia de Jânio Quadros. Creio que a segunda pergunta já está parcialmente respondida acima. Quanto a viver (ou reviver) pela recordação, direi que se trata de algo que acontece a todos os humanos. “Recordar é viver”, dizia o velho samba, repetindo um velhíssimo dito popular. Na verdade, todos os escritores, não apenas os poetas, escrevem muito mais com a memória do que com qualquer outro, digamos, encantamento.

LANZILLOTTI: A recordação da mulher amada, em alguns de seus poemas, trata ora de relações envoltas em dor, ora de perfis femininos que lembram semideusas. Outra vertente de sua poesia amorosa, entretanto, fala-nos de certa mulher tangível, humana, e vê o amor como o encontro entre os corpos. Essas duas vertentes caminham juntas no tema amoroso de sua poesia ou a tendência é uma suplantar a outra? É possível as almas se entenderem tão bem quanto os corpos?

ESPINHEIRA: Não me acho diferente dos outros no caso da poesia amorosa. O que acontece é que as mulheres são bruxas — como dizia Nikolai Gogol —, as quais tanto podem ser deusas, semideusas, quanto carne terrestre vibrante de sensualidade. Para mim, as mulheres são capazes de tudo, podem ser tudo, inclusive num só tempo. Sou grato a elas até pelos momentos de angústia, porque esses transes cruciantes também me enriqueceram. Quanto ao entendimento das almas, Manuel Bandeira achava que não era possível — e quem sou eu para discordar do mestre?

LANZILLOTTI: A infância em Jequié e Poções nos é passada como cercada de magia: lugar mítico onde a felicidade fora completa, sobretudo pela presença dos que hoje se encontram ausentes e pela liberdade das brincadeiras ao ar livre. Sobressai, entretanto, a impossibilidade de reviver aqueles momentos, instaurando-se, assim, a tristeza. A infância nessas cidades foi algo fundamental em sua vida, sobretudo como poeta? Qual sua relação com esse período da vida? O menino ainda existe no homem?

ESPINHEIRA: A infância foi em Poções; a adolescência, em Jequié. Houve magia, sim; e muita, nesses meus dois períodos de vida. Na verdade, houve magia em minha vida toda — e ainda há. Às vezes é uma magia cruel, mas magia; pois a vida não tem sentido, não tem lógica. Só a magia pode dar-lhe sentido — o sentido da magia. Nunca aceitei bem a separação que se faz entre sonho e realidade; sinto-me cada vez mais inclinado a concordar com Calderón de la Barca: “La vida es sueño”. Quem me prova que não é?

LANZILLOTTI: Alguns aspectos do pós-moderno estão incluídos em sua obra. Concorda com isso?

ESPINHEIRA: O que é mesmo o pós-moderno? Parece-me, mais do que qualquer coisa, uma dessas modas que de vez em quando assolam o mundo, especialmente as universidades. Moderno sempre foi, por definição, o que é atual, contemporâneo. Assim, se fôssemos pós-modernos, estaríamos vivendo depois da atualidade, adiante do nosso tempo. Fica fácil criar essas modas; é só mexer nas definições, nos conceitos, e inventar à vontade — como já inventaram até o fim da história... Se, como você diz, há aspectos pós-modernos em minha obra, gostaria muito de saber quais são — e certamente demonstrarei que são apenas coisas de meu tempo e minha vida, ambos anteriores a essa moda. De resto, como Octavio Paz, não gostaria de dizer aos meus descendentes que eles são pós-pós-pós...

LANZILLOTTI: Elegia de agosto foi premiado em 2006 pela Academia Brasileira de Letras, além de ter obtido o segundo lugar no Jabuti daquele ano. O que esses prêmios representam para sua poesia?

ESPINHEIRA: Creio que são um reconhecimento. Como não sou um poderoso na política da República das Letras, não passando de um nordestino que vive no Nordeste, devo concluir que a obra foi premiada unicamente por sua qualidade literária. Infelizmente, porém, tais premiações não ajudam em nada quanto à vendagem, o que é um fenômeno tipicamente brasileiro. Para piorar, estamos vivendo um tempo acrítico — quase não há crítica literária no país. Há resenhas, mas muitas vezes escritas por pessoas sem preparo para analisar e emitir opinião. E também há muita ação entre amigos — o que é ótimo para a promoção da mediocridade. Meu livro foi triplamente premiado — pois houve também uma Menção Especial da UBE-RJ — e só recebeu uma crítica: a de Miguel Sanches Neto, publicada na Gazeta do Povo, do Paraná, e no Jornal do Brasil. Aliás, Miguel foi também o autor das orelhas do livro. Como ele é um grande crítico — além de poeta, romancista, contista, ensaísta —, fiquei muito honrado com os dois textos. Considero-os, por partirem de escritor como ele, uma consagração.

LANZILLOTTI: Há pouca publicação de poesia no país. Quase sempre os novos escritores lançam seus livros por conta própria. Nada de novo até aí, já que muitos autores fizeram isso no passado, mas a poesia parece estar virando peça de museu. Isso se dá em decorrência da pouca publicação ou pela má qualidade da maioria do que é publicado?

ESPINHEIRA: Sim, alguns dos maiores começaram financiando os próprios livros — como Manuel Bandeira (dinheiro do pai, depois ajuda de amigos), Carlos Drummond de Andrade (descontando do salário) e Mário de Andrade (que pagou suas publicações até quase o fim da vida). Os problemas persistem hoje, pois poesia vende mal. Claro que há poetas que vendem bem — e não são necessariamente os melhores. Aliás, dos poetas que vendem bem, a maioria é de má qualidade. Acontece que o brasileiro não aprende a ler poesia; não sabe distinguir entre o bom e o ruim. Como geralmente o leitor não está preparado para a poesia maior, contenta-se com a menor. Contenta-se até com o que não chega a merecer o nome de poesia — não passando de um emaranhado de linhas irregulares, que esse leitor aceita como verso livre e que, na verdade, não é coisa nenhuma, oscilando entre conversinhas baratas de episódios domésticos, gracinhas, aventurazinhas sexuais e — em último caso — festivais escatológicos. Tudo isso em ritmo frouxo, sem nenhum artesanato, nenhuma técnica poética, nenhum talento. Em termos quantitativos, a má poesia — ou a não poesia — está vencendo. Para inverter esse resultado, seria necessário criar um público leitor mais exigente, o que nossa educação não vem fazendo. De modo geral, nossos leitores só conseguem ler — além de versos de segunda e terceira classes — manuais de autoajuda e best-sellers que repetem velhas fórmulas de sucesso popular. Enfim, os bons poetas dispõem de raros leitores — número insuficiente para comover as editoras... Não havendo uma mudança nessa triste realidade, sem dúvida a poesia — a que merece esse nome — vai mesmo acabar se transformando, neste país, em peça de museu.

LANZILLOTTI: A perda é uma constância em sua obra — diga-se de passagem, alguns de seus mais belos poemas tratam desse tema. Pessoas, sentimentos e espaços — tudo faz parte de um mesmo conjunto de ausências que é revisitado em sua poesia. Existe diferença entre viver e recordar?

ESPINHEIRA: Mais que em meus poemas, a perda é uma constância na vida de todos. Vamos vivendo e perdendo, o que é sempre uma experiência dolorosa. Mas o perdido, como já foi dito, não é o que se vai, o que desaparece; é o que permanece noutra dimensão. Faz pouco tempo, numa entrevista, disse que hoje convivo mais com mortos do que com vivos. Sim, tenho muitos mortos que sempre me visitam e comigo conversam. Não estou falando de espiritismo ou qualquer coisa de valor religioso; estou falando de memória, afeto e afinidades intelectuais e artísticas.

LANZILLOTTI: Bachelard escreveu, em A Poética do devaneio, que “Em sua primitividade psíquica, imaginação e memória aparecem em um complexo indissociável”; “[...] o passado rememorado não é simplesmente um passado da percepção. Já num devaneio, uma vez que nos lembramos, o passado é designado como valor de imagem”. Diante disso, podemos dizer que sua poesia, assim como a de outros poetas, tem raízes no pictórico? É possível diferençar recordação e imaginação?

ESPINHEIRA: Por que pictórico? Já na resposta à primeira pergunta, falei da fabulista memória, do que trata também gente como Bachelard, Proust e Borges. O que a memória não é mesmo é um retrato, pois sua natureza ficcionista está muito mais para recriação e até criação. Assim, a memória é uma contadora de histórias, muito mais um oceano em movimento do que uma pintura. Nunca achei que a memória me abastece com fatos — mas que, de maneira suave ou tempestuosa, amorável ou cruel, conta-me seus contos de Xerazade, em alguns dos quais sou o herói ou o vilão, ou apenas um pobre diabo que perdeu a oportunidade de ser feliz...

LANZILLOTTI: Em várias ocasiões sobressaem poemas em que o espaço fúnebre é utilizado como reflexão sobre a validade do estar vivo, já que todos caminham para o fim. Qual a relação entre a temática da morte e sua poesia?

ESPINHEIRA: Já disse que a morte é nossa angústia maior. Conscientes dela e não encontrando uma explicação para a vida, muito menos um sentido — tirante o sentido que damos a nós mesmos com nosso trabalho, nossos princípios, nossos sonhos etc. —, impossível evitar tais reflexões, questionamentos, perguntas dirigidas aos céus e aos abismos. Como sou poeta, é sobretudo na poesia que visito tais temas. Saio deles perplexo, sem certeza de nada; mas nunca disse, como Manuel Bandeira, que a vida não vale a pena e a dor de ser vivida. Aliás, o mesmo Bandeira escreveu que a vida é um milagre. E eu já falei das magias... E, se há magias, vale a pena, sim.

LANZILLOTTI: São muitos os casos de poetas que também são exímios prosadores; entretanto, uma parte de suas produções acaba suplantando a outra. Poucos sabem, mas Ruy Espinheira Filho é um profícuo escritor de prosa, com várias publicações. Há diferença entre ambas as escritas? Os temas de suas novelas e seus romances são os mesmos dos de seus poemas?

ESPINHEIRA: Escrevo prosa quando é prosa que me sopram as musas. Sou mais conhecido como poeta, mas a prosa está abrindo também seu lugar. Tenho até um prêmio nacional de romance — o Prêmio Rio de Literatura, pelo qual fiquei em segundo lugar (foram três premiados), em 1985, com Ângelo Sobral desce aos infernos. Recentemente, Um rio corre na Lua, que lancei em 2007, ficou entre os semifinalistas do Portugal Telecom. E meu último romance, De paixões e de vampiros: uma história do tempo da era, de 2008, foi considerado uma pequena obra-prima pelo crítico Wilson Martins, do Jornal do Brasil. O grande problema, neste país, é que o poeta não tem o direito de ser romancista — e vice-versa. É mesmo um complexo sul-americano, segundo Júlio Cortázar. Quer dizer: coisa de subdesenvolvido. O cidadão — e o crítico, o intelectual, até mesmo o escritor — vê um romance escrito por alguém que ele conhece como poeta e vai logo dizendo: “Um romance? Ora, mas ele é poeta...” E despreza o livro simplesmente porque é óbvio que o sujeito não pode fazer bem as duas coisas. Outra estupidez é comparar o romance do autor com sua própria poesia — em vez de compará-lo com outros romances, de outros autores, que é o que deve ser feito. Quanto às diferenças entre as escritas, há algumas, sim — sobretudo devido à mais longa duração de um romance e aos ritmos da prosa. Mas esta também vem das musas; é também misteriosa em sua origem. Quanto aos temas, creio que não há diferenças — são os do cotidiano...
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Luciano Lanzillotti (lmlanzillotti@gmail.com) é pesquisador de doutorado da UFRJ e autor de tese sobre as obras de Ruy Espinheira Filho e Manuel Bandeira. Publicou o poema Eu escrevi cartas de amor na edição #25 do jornal Plástico Bolha e agora vem nos agraciar com esta bela entrevista para Blog do Bolha, pelo qual somos muito gratos.
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